terça-feira, 10 de maio de 2016

        
Egito: o Berço do Ideal Imperial

          

Geografia e ClimatologiaPeríodo FormativoPeríodo Pré-DinásticoReino AntigoGuerras Divinas
1º Período IntermediárioReino Médio2º Período IntermediárioNovo ReinoSupremacia do Sol
Período de CaosPeríodo PtolomaicoDisseminação do Ideal ImperialOutros pontosBibliografia
         1 – Geografia e Climatologia:
 
         Quando se fala em Egito, logo se lembra do deserto do Saara e do rio Nilo. É verdade que estas são as principais marcas regionais que vieram a delimitar o país, no entanto, não são as únicas. Neste item discorrerei sobre as diversas características regionais do Egito antigo, lembrando que hoje, devido à construção de uma imensa barragem pelo presidente Nasser no início da década de 60, as características climáticas do Egito vêm mudando drasticamente, o que vem contribuindo para a proliferação de doenças e para uma diminuição notável no fluxo (outrora constante) do Nilo. O Egito corre riscos devido a esta obra.
 
1.1– O Ressecamento do Clima e a Formação dos Desertos:
 
         Inicialmente é necessário que se saiba que o Egito muito possivelmente não foi sempre tão seco quanto é hoje, ou mesmo quanto era na época dos Faraós. Na verdade, há teorias que chegam a afirmar que por volta do IX milênio antes de Cristo, a região poderia ter sido verdejante e de clima muito úmido. Algum fenômeno, no entanto (talvez uma glaciação, talvez uma ligeira alteração no eixo terrestre, talvez outra coisa), ocorrida por volta de 9000 a.C., fez com que gradualmente o a região se tornasse mais seca.


        
Animais que habitavam inicialmente todo o Egito migraram para as margens do Nilo e mesmo a vegetação começou a dar lugar a um deserto crescente.

        
Além das implicações no povoamento original da região, como será explicado mais adiante, a geografia da região também teve importante papel na consolidação do próprio modo de vida Egípcio. Vejamos:


    Diferentemente de outras regiões de antigo povoamento, como a Mesopotâmia, o Egito não estava sujeito a ataques constantes sendo verdadeiramente uma espécie de “Vale Perdido”. Sendo cercado ao norte pelo mar Mediterrâneo, ao sul pela cataratas do Nilo, ao oeste pelo deserto da Líbia e ao leste pelo deserto da Núbia e por uma cordilheira com pontos altíssimos como os montes Kuror (1240m), ao sul e Gharib (1750m), ao norte. Esses acidentes geográficos funcionaram como muralhas naturais que permitiram grandes períodos de paz e desenvolvimento (com pouca influência externa indesejada) e que também ocasionaram uma certa estagnação que, como veremos, em períodos mais tardios, acabou por prostrar o Egito perante os grandes Impérios vizinhos.
  
         Quanto ao Nilo, as palavras de Heródoto em sua “História”, já nos dizem praticamente tudo “O Egito é uma dádiva do Nilo!”. O calor da região é grande o ano todo, por isso, por lá é praticamente impossível se distinguir quatro estações no ano como nas mais variadas partes do mundo se faz. Dessa forma, os antigos Egípcios desenvolveram uma técnica de contagem das estações do ano muito particular. Dividiram o ano em três grandes estações de aproximadamente quatro meses cada uma (na verdade havia toda um cálculo matemático complexo que determinava o início de uma nova estação, mas, aqui, a explicação de tais cálculos não se faz necessária).

Após estar desaparecida por setenta dias, a estrela Sothis (também chamada de Sírio) reaparecia nos céus, o que marcava o ano novo e a chegada da primeira estação desse: a Inundação, que perdurava (nos meses correspondentes ao nosso calendário) de julho a outubro. Nesse período, os Egícipios se dedicavam às grandes construções estatais, ao lazer e à arte, além de, em muitos casos, a guerra (especialmente nos primeiros tempos, quando não havia exército regular) e o ócio. Esse período de tempo relativamente “livre” de que as pessoas desfrutavam uma vez ao ano proporcionou muitos dos avanços da civilização Egípicia.


Nilômetro de Elefantina
Em novembro, quando as águas baixavam e os nilômetros (marcadores do nível da água do Nilo estabelecidos ao sul, em Elefantina (a primeira cidade Egípcia depois da Núbia) e ao norte, no atual Cairo (o ponto de intersecção entre o Alto e o Baixo Egitos)) voltavam a marcar o nível normal, iniciavam-se os trabalhos de plantio: era a Semeadura, estação que perduraria até fevereiro.

Neste período de tempo, os Egípcios plantavam diversos produtos, mas, em especial, linho (para a fabricação de roupas), cevada (para a fabricação de cerveja) e trigo (para a fabricação de pão).


Entre março e junho, ocorriam as colheitas das safras plantadas no período da Semeadura: era a estação da Colheita. Quando a colheita estava próxima de terminar e Sothis de reaparecer nos céus, o Nilo adquiria uma colaração esverdeada, sinal de que os últimos produtos deveriam ser rapidamente colhidos, antes que as águas subissem e o Nilo adquirisse a cor avermelhada, característica do período de cheias.

Os Egípcios antigos nunca souberam, mas o processo de cheias e vazantes do Nilo é desencadeado pela chegada do verão nas montanhas do centro da África onde se situam suas nascentes. O gelo acumulado durante o inverno no topo das montanhas se desfaz dando à água uma coloração verde (devido às algas que morrem com as águas geladas). Aos poucos o volume de água aumenta na medida em que se intensifica o degelo das montanhas e, uma vez que as algas já estão mortas, a cor esverdeada desaparece, sendo substituída pela avermelhada, característica do excesso de terra desprendida das margens mais altas às quais o rio subiu. Na medida em que o verão termina e que o degelo se encerra, o fluxo de água nas nascentes também volta ao normal e, sendo assim, o nível do Nilo vai abaixando gradualmente. Com a menor violência das águas, a quantidade de terra desprendida também diminui e, dessa forma, deixa de fazer diferença na coloração das águas que volta ao tom azulado característico da maioria dos rios do mundo.
 

1.2– A Fauna do Vale do Nilo:
 
No tocante à fauna Egípcia, as principais zonas de criação e domesticação de animais eram o sul (próximo à Núbia) e o Delta, mas o Egito central não dispunha de muitos animais nativos, isso porque, quando da migração dos animais após a desertificação da região, poucos optaram por seguir em linha reta rumo a rio e os que o fizeram, acabaram rapidamente extintos pelos grupos humanos que, como veremos, tomaram este caminho.
        Os principais animais nativos da região eram os babuínos (espécie de macaco africano com a região glútea despelada e vermelha), os hipopótamos (batizado pelos Gregos com este nome por seu rosto se assemelhar ao de um cavalo, seu nome significa, portanto, cavalo do rio), os crocodilos, gazelas, bovinos, ovinos, asnos e patos (um dos principais pratos da culinária Egípcia).
Os hipopótamos do Nilo

Ao contrário do que se acredita, animais como girafas, leões, tigres, rinocerontes, hienas e elefantes não faziam parte da fauna da região. Não que os Egípcios os desconhecessem completamente, na verdade, em seus contatos com regiões do centro da África os habitantes do Império Faraônico importaram alguns desses animais, justamente por serem exóticos. Leões, ainda que raros; vez ou outra apareciam nas redondezas das vilas e cidades à procura de caça, o que certamente causava comoção popular geral, não se sabe, contudo se os leões do Egito eram do tipo Africano (o tipo que todos conhecemos até hoje) ou do tipo Europeu (uma espécie de leão maior extinta na Idade Média e que deu origem à associação, em diversos Reinos Europeus da figura do leão à da Realeza).


Mas espere, você nem sequer mencionou cavalos e camelos. Todos sabemos que os Egípcios eram grandes cavalgadores desses animais, certo?

Errado! Para começar, os Egípcios jamais cavalgaram animal algum, não se pode precisar se por desconhecerem as selas ou se por algum tipo de crença, mas eles jamais montavam em seus animais de tração. Em segundo lugar, é bom que se saiba que nem cavalos, nem camelos eram animais nativos do Egito. Os cavalos foram introduzidos na região pelos Hicsos durante o Segundo Período Intermediário, ou seja, apenas por volta do século XVI a.C., muitos anos após a construção das Pirâmides. Eles eram utilizados primordialmente como puxadores de bigas (carros de guerra que transportavam cerca de quatro guerreiros e que marcaram, como veremos, todo o período do Novo Império). Já os camelos, animais naturalmente associados pelo imaginário popular aos desertos, chegando a ser conhecidos com “os navios do deserto”, só chegaram ao Egito durante o domínio Persa, ou seja, no século VI a.C., época em que o esplendor Egípcio já havia se esgotado. Foi também por essa época que os famosos elefantes de guerra passaram a ser utilizados no Egito, porém, nunca em tão grande escala como no Império Persa, de onde eram naturais.
 

1.3– Os Recursos Naturais:
 
Por ser seco em demasia, o Egito não dispunha de madeira de boa qualidade, o que o obrigava a pagar altos preços para importar o cedro da Fenícia, indispensável à construção dos barcos que subiam e desciam o Nilo, interligando o país. Justamente pelo fato de a madeira de boa qualidade ser importada e cara é que seu uso se tornava restrito a dois tipos de ocasiões: as necessárias (como a navegação) e as de ostentação (nas casas de ricos, nobres, nos templos e entre o mobiliário do Faraó). O cidadão comum não dispunha de madeira de boa qualidade e, dessa forma, era obrigado a se haver com a madeira que o Egito lhe fornecia, construindo jangadas para uso pessoal e móveis de madeira entrelaçada para suas casas.

As pedras, abundantes nas proximidades do Egito (nas montanhas a leste), com efeito, não eram a principal matéria prima da construção. Sim, é verdade que quase tudo o que nos restou do Egito antigo é confeccionado em pedra, mas isso não é à toa, mas proposital. Temos diversos templos, túmulos, pirâmides (neste texto, sempre que fizer menção a pirâmides com letra maiúscula, estarei me referindo às Pirâmides de Gizé, ou seja, Queóps, Quefren e Miquerinos; nos demais casos, quano utilizar letra minúscula, estarei fazendo menção às demais (ou mesmo a todas) pirâmides do Egito), estátuas, mas poucos palácios e praticamente nenhuma casa, nenhum armazém e estes estão em estados de conservação muito inferiores aos dos primeiros e mais numerosos, mas, por quê?

Simples, porque os Egípcios tinham uma cultura extremamente sacral e, sendo assim, tudo aquilo (e somente aquilo) que era divino deveria ser (tal qual os deuses) eterno. O que, por outro lado, fosse temporal, poderia ser passageiro e, sendo assim, não precisava (e talvez mesmo não pudesse) ser eterno. Seguindo essa lógica, construções como templos, túmulos, estátuas e pirâmides eram feitas em pedra e as demais, feitas com tijolos. Os tijolos, por sua vez, eram feitos com o próprio lodo do Nilo, ou seja, retirava-se a terra úmida das margens do rio, a colocava-se em recipientes retangulares e deixava-se que secasse ao sol escaldante. Dentro de alguns dias, toda a umidade evaporava e a mistura se solidificava de tal forma que se tornava um verdadeiro tijolo. Logicamente, tijolos como estes que não eram feitos com técnicas oleiras avançadas como as de hoje (ou mesmo com as de outros lugares como a Mesopotâmia e a Grécia) não duravam muito. Estavam muito sujeitos às chuvas (mesmo sendo essas tão escassas na região), às cheias do rio e à simples passagem do tempo (com ventos e a erosão natural devida à areia carregada eólicamente).

Finalmente, no que se refere aos metais, o Egito nunca foi muito avançado, detinha, é verdade, boas minas de ouro e prata (na Núbia) e de cobre no Sinai, mas não detinha estanho (necessário para se criar a liga (estanho e cobre) que dá origem ao bronze) e nem tão pouco o ferro. Sendo assim,enquanto em diversas outras regiões próximas as ferramentas e armas já eram há muito construídas de cobre (e posteriormente de bronze), no Egito estas ainda eram feitas de sílex (uma pedra vulcânica cujas lascas são muito cortantes), pedra e madeira (inclusive, até o final do Novo Império, os instrumentos agrícolas e de mineração do Egito ainda não eram feitos de metal). O ouro e a prata, como metais preciosos que eram, eram associados aos deuses e, sendo assim, em sua grande maioria, destinados a enfeitar as tumbas dos Faraós e grandes dignatários que tivessem posses para tal luxo (esse também era o destino das pedras preciosas). O restante desses metais preciosos era empregado no comércio internacional, uma vez que, como veremos, dentro do Egito, ao menos no período Faraônico, nunca houve uma economia monetária. Por muito tempo, no Antigo Império, as minas de ouro foram mais abundantes do que as de prata, o que acarretou numa maior valorização deste metal em detrimento daquele, no entanto, com a descoberta de mais e mais minas de prata no deserto, o ouro passou a valer mais do que seu par.
 

1.4 – O Papiro e a Escrita:
 
Um dos fatores regionais mais importantes do Egito foi a existência nas margens do Nilo de uma planta aparentemente sem uso específico, mas que, com um pouco de tratamento (ainda que simples), se torna uma das maiores dádivas do Nilo ao Egito: o papiro.

 
O papiro
         Além dos utensílios, como velas de barcos e até móveis que se podia construir com papiro trançado, por volta de 3400, com os primeiros contatos com a escrita cuneiforme Mesopotâmica, os Egípcios desenvolvem uma idéia que tornará sua escrita mais barata e funcional do que a utilizada por seu vizinho: utilizar folhas secas de papiros para desenhar e pintar as Histórias cotidianas. Assim nasceu a escrita Egípcia e assim ela pode se difundir por todo o Egito e dele para a Fenícia, onde se tornou o antigo alfabeto fonético que, uma vez aperfeiçoado pelos Gregos, deu origem ao alfabeto Grego, que inspirou o alfabeto latino que é hoje utilizado na maior parte do mundo, sendo, portanto, o maior legado Egípcio para a posteridade. A escrita e, em especial, a escrita em papel com tinta, não em tabletes de argila, com talhadeiras.



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Egito: o Berço do Ideal Imperial

Danilo José Figueiredodanilo@klepsidra.net
Mestrando em História Social/USP

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         2 – Tribos, Deuses e Migrações: O Período Formativo:
 
         Por volta do início do V milênio antes de Cristo, a situação de ressecamento climático iniciada no IX milênio já havia terminado de se consolidar, isso fez com que ao longo de quatro mil anos os animais migrassem para o sul e para o norte e os homens (outrora povos nômades de regiões propícias) se fixassem em torno de oásis ou à beira do Nilo.


        
Os processos de migração ocorridos nesse período é complexo e igualmente confuso sendo que, possivelmente, nunca viremos a compreende-lo com perfeição. O que se sabe é que por volta de 4500 a.C. (ou talvez um milênio antes), várias comunidades estavam estabelecidas ao longo das margens do Nilo.
         Essas comunidades se dividiam em vilas que eram administradas por uma vila maior, formando espécies de ligas de vilas chamadas Spat, ou Nomo (em Grego). Caracteristicamente, essas sociedades deviam se agrupar a partir de uma mesma crença religiosa, ou seja, a partir de deuses em comum.


        
Os deuses dos primeiros períodos da História Egípcia eram predominantemente zoomórficos, ou seja, constituíam-se de animais que, por uma ou outra determinada característica eram adorados. Por exemplo, aves poderiam ser adoradas por poderem voar, algo que possibilitava melhor locomoção e possibilidade de caça; crocodilos poderiam ser adorados por serem uma ameaça constante às populações que habitavam as margens do rio e, sendo assim, seu culto poderia ter o intuito de apaziguar seu ânimo destruidor; serpentes poderiam ser adoradas por razões semelhantes às dos crocodilos; bois e ovelhas, assim como vários tipos de animais, poderiam ser adorados por razões de alimentação e assim por diante.

        
O fato é que esses Spat construíam espécies de totens de seus deuses, com templos em sua homenagem e, também em sua homenagem, guerreavam uns contra os outros.

        
A consolidação de um Spat (ao todo, no Egito, existiam 44) era um processo complexo e demorado, mas, possivelmente se dava pela expansão das áreas cultiváveis de uma aldeia original, ou seja, na medida em que a população crescia, era preciso construir mais diques e mais casas o que vinha a criar novas vilas, porém, vilas ligadas a uma vila-mãe, capital do Spat.

        
Até bem pouco tempo, algo denominado de “Hipótese Causal Hidráulica” era tido como sendo a melhor teoria para a unificação do Egito, ou seja, o país teria se unido sob a autoridade de um único governante para que assim, com a organização central dos recursos da nação, fosse possível construir obras de irrigação. Essa teoria é perfeitamente coerente e foi primeiramente proposta por Karl Marx, sendo descrita como “Modo de Produção Asiático”, ou seja, um Estado centralizado que emprega a mão-de-obra livre de seus habitantes para realizar grandes construções, em especial, obras de irrigação.

        
A teoria hidráulica da unificação do Egito, no entanto, não é mais muito aceita hoje em dia pelo fato de até o Médio Império (mais de mil anos após a data sugerida para a unificação do Egito) não haver sequer um documento Estatal que comprove o controle do Estado sobre os diques de irrigação, o que leva a crer que até aquele período tais obras fossem de caráter local.

      
Bem, vejamos, derrubada a “Hipótese Causal Hidráulica”, podemos concluir que, muito possivelmente os próprios Spat haviam desenvolvido seus meios de irrigação para agricultura. Como a agricultura chegou ao Egito é outra questão complicada. Pode-se dizer que tenha sido por difusão através da Mesopotâmia, pode-se dizer que tenha vindo da África Central, pode-se ainda dizer que tenha sido descoberta paralelamente no próprio Egito, nunca será possível saber, mas também, essa não é exatamente uma informação relevante, na medida em que sabemos que havia agricultura no Egito pré-unificação.
 

        
2.1 – A Etnia Egípcia Antiga:
 
         Falar de etnicidade é sempre tocar em um ponto complicado e, muitas vezes tabu na nossa sociedade. Essa questão se torna mais importante na medida em que grupos minoritários começam a ganhar força e a reclamar os direitos que sempre lhes foram negados. Em contra-partida, grupos antiquados, racistas e protecionistas de sua mentalidade político-religiosa atrasada tentam sustentar preconceitos insustentáveis como forma de manter negros (e membros de outras etnias) longe de cargos e acontecimentos importantes da História.

        
Hoje existe na África um grupo cada vez maior de intelectuais negros que, como forma de compensar as humilhações sofridas ao longo de séculos pelos indivíduos oriundos do continente Africano, criaram uma corrente de pensamento conhecida como Pan-Africanismo. Segundo essa corrente, os negros não devem em hipótese alguma se envergonhar de suas origens e de sua cor, além disso, todos os Africanos, independente de religião ou de região, devem buscar origens negras que os legitimem como irmãos. É uma atitude louvável, mas, por um certo aspecto, perigosa, na medida em que pode vir a gerar, num futuro hipotético, movimentos semelhantes às doutrinas de superioridade racial surgidas na Europa dos anos 30.

        
Deixando suposições e previsões de lado, nos deparamos com um grave problema de cunho étnico: como determinar o biótipo do Egípicio antigo?

        
Alguns autores dirão que basta que se observe os Egípcios atuais para que se tenha uma idéia bastante aproximada de como eram os Egípcios antigos. Porém, essa recomendação é, no mínimo despropositada, seria o mesmo que determinar como eram os brasileiros do século XX a.C. observando os brasileiros do século XX d.C.. Não preciso dizer os absurdos que seriam cometidos, não é?

        
Pelo Egito, desde a unificação de seu território, passaram Núbios (possivelmente negros); Líbios (possivelmente Berberes); Judeus, Fenícios, Acadianos, Hititas e Assírios (com caracteres semíticos); Hicsos (com caracteres talvez Arianos); Persas e Árabes (com caracteres Médicos); Gregos (com feições balcânicas); Romanos (com biótipo latino); Ingleses e Alemães (com tipo ariano-saxão); Turcos (que originalmente tinham feições orientais) entre outros povos. Seria muito complicado dizer que tais populações passaram incólumes pelo Egito, sem deixar sua marca étnica na população; seria o mesmo que dizer que os Portugueses e Africanos não modificaram a população do Brasil.

        
Essa explicação foi toda feita para que se chegasse a uma conclusão: não se pode afirmar que a etnia Egípcia tinha os traços característicos das múmias dos Faraós porque estes eram membros de uma classe dominante e, justamente por isso, sem miscigenação com as classes mais baixas, além disso, muitas vezes o Faraó era o filho de uma esposa secundária de seu pai e esta, por sua vez, podia ser uma princesa estrangeira, o que também deixaria o Faraó sem os traços típicos da população comum. Não se pode, porém, como querem os intelectuais Pan-Africanistas, fechar os olhos às pinturas e mesmo aos caracteres das múmias e simplesmente assumir que a população do Egito antigo fosse predominantemente negra.

        
Para que não tomemos uma postura que possa ser considerada racista por qualquer parte, acredito que uma boa saída seria analisarmos as pinturas egípcias. Se o fizermos, poderemos ver que existem pessoas retratadas com a cor negra e pessoas retratadas com cores mais claras, lembrando o semítico original. Talvez essa seja uma saída para que determinemos a etnia do Egito antigo.

        
Outra saída seria assumir que a população Egípcia fosse de origem semítica ou berbere e, portanto, branca, sendo a população Núbia de origem negra. Isso explicaria, por exemplo, porque o Egito, mesmo tendo dominado a Núbia por tanto tempo e mesmo sendo esta região um prolongamento natural de seu território, nunca a tenha considerado como parte do Egito, apenas como domínios Imperiais, sendo que havia até uma espécie de Vice-Rei para a região, como se se tratasse de um domínio distante.

        
Uma terceira saída (se bem que passível de legitimação de preconceitos) seria assumir que o grosso da população Egípcia seria negro, mas que aqueles em posições mais elevadas seriam brancos, pois seriam descendentes de um grupo semítico (possivelmente de procedência Acadiana) que teria se estabelecido na região pouco antes da unificação. Essa teoria não é de todo descabida, visto que há indícios de que Acadianos tenham realmente se estabelecido no Delta do Nilo pouco antes da unificação do Egito e há, inclusive, aqueles que pensem (a meu ver erroneamente) que teriam sido estes Acadianos que teriam trazido ao Vale do Nilo a idéia de unificação política, idéia já consolidada na Mesopotâmia, de onde eram oriundos.

        
Particularmente, este autor acredita que a segunda hipótese aqui proposta seja a mais plausível, na medida em que explicaria a presença de negros (em quantidades não tão grandes) nas pinturas murais e também a não anexação da Núbia ao Egito propriamente dito, mas, tão somente,  aos domínios Egípcios.

 
         2.2 – A Política dos Spat:
 
         Agora que já delimitamos uma hipótese (que se não é verdadeira, ao menos é boa) de trabalho para a etnia Egípcia, partamos para o esclarecimento da política dos Spat e de sua evolução rumo ao período Pré-Dinástico.

        
Como organizações populacionais recém-estabelecidas nas margens do Nilo, os Spat precisavam de uma nova organização interna, uma vez que aquela das tribos nômades já não mais era útil.

        
Não é muito difícil de se aceitar que as sociedades se transformem em mais de quatro mil anos de existência, afinal, civilizações inteiras podem surgir, evoluir, entrar em colapso e desaparecer num período de tempo tão longo. Portanto, não é de se estranhar que os Spat tenham descoberto formas de se organizar gradualmente melhores na medida em que os séculos foram se acumulando.

        
Para poder realizar obras públicas, ainda que no campo do microcosmo (uma vez que já justificamos a derrubada da “Hipótese Causal Hidráulica” para o macrocosmo), os Spat precisaram organizar lideranças e estas, possivelmente foram escolhidas entre os chefes de família. É possível que mulheres tenham tomado parte dessas lideranças tribais, especialmente se levarmos em conta que pode ter havido um difundido culto Neolítico a uma grande divindade feminina em todo o Mediterrâneo Oriental (pelo qual o Egito é banhado), o que indica que a mulher deve ter tido uma importância muito mais destacada nas sociedades Neolíticas em geral do que veio a ter nas sociedades Arcaicas.

        
Pois bem, voltemos ao que estávamos falando, possivelmente havia conselhos de anciãos em cada Spat, anciãos estes que eram responsáveis pela organização dos recursos do Spat e por sua distribuição nas diferentes necessidades: principalmente o culto, a irrigação e a defesa.

        
Esse conselho, denominado Saru, era legitimado por assembléias populares onde, a priori, poderiam participar todos os habitantes do Spat (talvez excetuando-se as crianças). Essas assembléias, denominadas Zazat devem ter tido a função de levantar os problemas e necessidades da população, além de, talvez, ratificar as decisões mais controversas do Saru, como a decisão de atacar outro Spat, por exemplo.

        
É possível que entre as funções do Saru; por ser este composto de pessoas idosas que já não podiam trabalhar fisicamente; estivessem as obrigações religiosas. Dessa maneira, os membros do Saru seriam ao mesmo tempo governantes e sacerdotes dos Spat.

        
Apenas para um efeito de comparação com sistemas de governos que nos são mais conhecidos, podemos dizer que os Spat eram governados por uma Oligarquia Aristocrática assistida por uma Assembléia Popular, ou seja, em moldes rudimentares, uma espécie de Democracia com uma elite Aristocrática superposta.
 

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Danilo José Figueiredodanilo@klepsidra.net
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         3 – O Período Pré-Dinástico:
 
         Religião sempre foi a mais forte presença na vida dos Egípcios antigos, sendo assim, não é de se estranhar que essa tradição seja proveniente do período formativo. Pois bem, junte-se num caldeirão a falta de animais aliada às técnicas rudimentares de domínio das cheias e vazantes do Nilo, o que ocasiona falta constante de alimentos, e um mundo povoado por diversos deuses, por vezes inimigos; e se tem um campo perfeito para a eclosão de diversas guerras, na verdade, se tem um campo perfeito para guerras quase constantes.


        
Era assim o Egito em seu período formativo. Agora vejamos, de acordo com as teorias mais aceitas sobre a origem das Monarquias, normalmente considera-se que estas estejam ligadas à guerra, mas por quê?

        
Bem, como já havia sido mencionado, decisões polêmicas e/ou difíceis deveriam ser legitimadas pelos Zazat, no entanto, este não poderia se reunir constantemente para tomar decisões, uma vez que era composto pelo grosso da população e que esta precisava trabalhar para que a própria existência do Spat fosse possível, por isso, não é de se espantar que frente a uma situação de guerras quase constantes, o próprio corpo dos indivíduos que guerreavam (predominante ou exclusivamente homens) escolhesse entre suas fileiras uma espécie de chefe militar supremo, responsável tanto pela organização dos exércitos, quanto pelas táticas de guerra.

Este, por sua vez, obtendo vitórias proveitosas para a comunidade, poderia se converter numa espécie de herói e adquirir uma posição de respeito diferenciada da dos demais. Com o tempo, esse indivíduo poderia não ver mais necessidade na antiga estruturação do Spat, ou ainda, o próprio Spat poderia abdicar (a princípio temporariamente, mas depois indefinidamente) de sua antiga organização em prol da vontade e da capacidade desse indivíduo. É assim que surgem os Reis.

Esta transformação, cuja enumeração dos fatos exposta acima é apenas a mais provável, mas não a única, teria ocorrido nas sociedades do Vale do Nilo por volta do ano 3100, quando se inicia o período conhecido como Pré-Dinástico.

 
3.1 – Das Guerras à Formação dos Dois Egitos:
 
Entre 3100 e 2920, o Egito vive períodos de guerras quase ininterruptas. É nesse período que começam a se formar os Estados Egípcios e é nesse período também que a Cosmologia Egípcia tradicional começa a tomar forma, pois, na medida em que um Spat vai anexando outro, um deus vai se sobrepondo na hierarquia a outro e, dessa forma, surge uma espécie de hierarquia divina. É óbvio que cada Spat tinha sua divindade principal, mas, além dela, diversas outras que também eram cultuadas. Possivelmente havia divindades cultuadas em vários Spat, o que também pode ter ocasionado alianças entre eles sem que conquistas militares fossem necessárias.

Por volta de 3400, uma infiltração cada vez maior de Mesopotâmicos, em especial Acadianos, no Delta do Nilo denota ou um conquista da região, ou uma leva migratória de comerciantes e artesãos, seja como for, esse movimento pode ter sido importante não apenas para a introdução de novas tecnologias e idéias (como a própria idéia da escrita, todavia, a escrita cuneiforme não foi copiada, mas pode ter influenciado o povo do Egito na criação de sua própria forma de relatar aos fatos) no Egito, mas também para a aceleração do processo de unificação daquela região. Existem teorias que associam o culto ao deus Hórus a esses imigrantes, sendo assim, aquele que viria a ser um dos (senão o) principais deuses do Panteão Egípcio não seria Egípcio realmente, mas Acadiano. Seja como for, falaremos sobre a Religião em ocasiões um pouco mais adiante.

      
Por volta do ano 2980, a configuração política do Vale do Nilo havia se transformado profundamente. Os Spat do sul haviam se unido (por tratados e conquistas) sob um Rei em Hierakonpolis, formando o Alto Egito, o povo de Set.

        
Já os Spat do Delta, muito possivelmente devido à influência centralizadora externa, se haviam unido (talvez como fruto de uma associação, talvez de conquistas, talvez de uma mistura) sob um Rei residente em Buto e temente a Hórus.

        
Estava configurado o panorama que daria origem ao Estado que unificaria o Vale do Nilo: o Egito.
 

        
3.2 – O Escorpião-Rei e os Símbolos Monárquicos:
 
         Certamente a unificação dos diversos Spat era tarefa que requeria algo mais do que a força militar, na realidade, pode-se praticamente afirmar que ela seria impossível se não fosse a escrita.

         A Escrita se fazia necessária para organizar o controle de tributos, de tropas, de população. Se fazia necessária para contar a terra possuída e mesmo para registrar os feitos dos grandes conquistadores.

        
Um desses grandes conquistadores foi justamente imortalizado pela escrita rudimentar dos últimos anos do período Pré-Dinástico. Esse governante era o famoso Escorpião-Rei.



O "Escorpião-Rei"
do cinema
           Antes de falarmos mais profundamente sobre este personagem, devemos ressaltar que o filme feito a seu respeito em nada tem de verossímil. Primeiramente, é pouco provável que o Escorpião-Rei fosse um estrangeiro (o filme o intitula Acadiano), uma vez que se tratava de um Rei do Alto Egito e a penetração Acadiana se deu no Baixo Egito. Em segundo lugar, sua aliança com a Núbia é impensada numa época tão remota; a Núbia e o Egito ainda não tinham estabelecido qualquer contato formal. Em terceiro lugar, o filme utiliza cavalos e camelos que, como já foi explicado, não existiam no Egito nessa época.

        
Em quarto lugar, as armas utilizadas são de aço e ferro, enquanto que nem sequer as armas de cobre ou de bronze haviam sido introduzidas no Egito, possivelmente os guerreiros daquela época lutavam com lanças com pontas de sílex, pedras arremessadas, maças de madeira e manguais (até arcos e flechas são improváveis numa época tão recuada). Em quinto lugar, a capital do Egito (já unificado, o que é um erro, visto que o Escorpião-Rei é um Rei anterior à unificação) é Sodoma, cidade bíblica que, caso tenha existido, certamente não se situava no Egito. Por fim, as cidades Egípcias não eram muradas (como no filme é sugerido), o Escorpião-Rei não unificou o Egito e, não havia nenhum tipo de inventor-alquimista com possibilidades de inventar a pólvora, também não havia contatos do Egito com a China.


        
Agora que o filme “O Escorpião-Rei” já foi desmistificado, podemos tratar do personagem histórico Escorpião-Rei. Este governante parece ter Reinado na cidade de Hierakonpolis, a capital do Alto Egito. A cidade contava à época de seu governo com uma população aproximada de 10000 habitantes, ou seja, era a maior cidade do Egito. À partir dessa capital, o Escorpião-Rei, que utilizava a coroa branca do Alto Egito na cabeça, invadiu e derrotou o Baixo Egito, mas, apesar de tê-lo pilhado e de ter matado muitas pessoas (talvez milhares), não foi capaz de eliminar a Realeza de Buto e de capturar a coroa vermelha do Baixo Egito.

 
         3.3 – A Unificação do Egito:
 
         Segundo Mâneton de Sebennitos, Historiador Grego que viveu em Alexandria na época da XXXI Dinastia e para quem o Faraó Ptolomeu Sóter I encomendou uma lista dos Faraós do Egito, o unificador do país teria sido um Faraó de nome Menés. Mâneton é até hoje a maior referência que se tem para listar os Faraós e descrever seus governos, se bem que, por falta de material, para agradar ao Faraó e para colaborar com a crença vigente em sua época (século IV a.C.) de que o Egito seria a mais antiga civilização do mundo, Mâneton recuou as origens do Estado Egípcio para datas impraticáveis como 9500 a.C.. Essa teoria, tida como válida por muito tempo, hoje esta totalmente desmistificada (ao menos do ponto de vista científico), no entanto ainda gera controvérsias no campo da especulação esotérica.

    Mas pautemo-nos por hora em Mâneton (posteriormente falaremos melhor das questões esotéricas que envolvem o Egito). Para ele Menés teria sido o unificador do Egito. Não sabemos quais fontes o Historiador teria utilizador e tal tarefa é hoje (passados tantos anos da destruição da Biblioteca de Alexandria) virtualmente impossível, mas dados os principais achados arqueológicos disponíveis, somos levados a crer que Menés seria uma forma Grega de se dizer o nome de Narmer.

       
Narmer é o primeiro Faraó que a Arqueologia tem indícios fortes para considerar como sendo o lendário Menés. Existe uma paleta (conhecida como Paleta Narmer) que mostra em uma de suas faces este Faraó utilizando a coroa branca do Alto Egito e na outra o mesmo Faraó utilizando a coroa vermelha do Baixo Egito.

Reprodução da Paleta de Narmer

         Segundo a tradução de Sir Alan Gardiner, um dos maiores especialistas contemporâneos em hieróglifos, apesar de a escrita do tempo de Narmer ser ainda uma versão não aprimorada daquele que surgiria na III Dinastia e que perduraria por toda a História do Egito Faraônico, é possível notar que Narmer está sendo saudado como conquistador do norte (Baixo Egito), tendo matado 1400 homens e capturado 400 mil bois e 1,422 milhão de cabras, além dos estandartes dos Spat do Baixo Egito.


        
Se a Paleta Narmer realmente tiver sido traduzida corretamente e realmente o Alto Egito conquistou o Baixo, então, temos um problema de ordem religiosa a resolver.

        
Pensemos, se as guerras entre os Spat foram causadas originalmente por, entre outros motivos, disputas religiosas, eram natural que os vencedores fossem impondo suas crenças aos derrotados, certo?

        
Porém, como já havia sido dito, a divindade principal do Alto Egito era Set e a do Baixo Egito era Hórus. Se o Alto Egito conquistou o Baixo, então por que Hórus se tornou o Deus da Monarquia Egípcia?

        
Bem, inicialmente devemos notar a disposição de Narmer em apaziguar a região conquistada e dar a ela realmente uma consciência de unidade em relação a seu conquistador. O Faraó (o primeiro a merecer o título, uma vez que Faraó, a rigor, é o governante do Alto e do Baixo Egito, sendo assim, antes de Narmer é mais corretor que se se refira aos governantes como Reis) casou-se com uma princesa do Baixo Egito (se bem que é provável que toda a Dinastia de Buto tenha sido exterminada e/ou expulsa, mas uma princesa foi escolhida para legitimar o governo sobre a região conquistada) e iniciou a construção de um Palácio de Muros Brancos ao redor do qual se ergueu uma nova capital para o Egito unificado. Esta capital, localizada quase na divisa entre o Alto e o Baixo Egito foi batizada de Mênfis, ou seja, Palácio dos Muros Brancos. Lá, todos os Faraós recém-coroados deveriam dar uma volta correndo sozinhos ao redor do palácio para comprovar sua saúde física e para simbolizar que haviam percorrido todo o Egito mantendo-o unificado.



Pintura mostra Narmer, ao centro
         Pois bem, Narmer (e também seus sucessores, que mantiveram a prática de se casarem com princesas do norte (talvez filha de Nomarcas (governantes de Spat))) fizeram de tudo para que o Baixo Egito aceitasse a dominação imposta pelo Alto Egito não como uma dominação imposta, mas como um acordo entre as partes. No entanto, a destruição da Monarquia Acadiana e a subserviência de seu Deus Hórus em relação a Set fizeram com que revoltas eclodissem e, sendo assim, a I Dinastia acabou por se encerrar de forma trágica, como assassinato do Faraó Qa’a.

        
A II Dinastia teve como seu primeiro Faraó Hotepsekhemuy, cujo nome significa “Os dois poderes estão pacificados”. O que indica uma solução para a crise que se havia estabelecido no final da I Dinastia. No entanto, a crise voltou a imperar com uma conspiração de Peribsen para derrubar Nineter do trono e se tornar Faraó. Aproveitando esses distúrbios na casa Real, o Baixo Egito se sublevou mais uma vez, o que fez do governo de Peribsen um fracasso.

        
Khasekhem assumiu o poder restaurando a crise que não voltou a eclodir, mas, a partir dessa data, o que se vê é a figura de Hórus como Deus principal da Monarquia, o que nos leva a crer que para aplacar a fúria da população do norte que se via como dominada, o Faraó resolveu mudar o Deus Dinástico de modo a se aproximar do povo revoltado e se mostrar amigável.

        
Parece que o estratagema deu certo, uma vez que à partir daí o Egito seguiu unificado por quatro Dinastias, no entanto, Set, antigo Deus Dinástico, acabou condenado a um papel de Deus maligno. Talvez esse papel lhe tenha cabido porque os habitantes do Delta associavam sua figura às milhares de mortes necessárias para a unificação do país.
 


        
3.4 – Práticas Funerárias Proto Dinásticas:
 
         A I e a II Dinastias também são chamadas de Período Proto Dinástico, visto que foi neste período (que durou de 2920 a 2686) que os elementos fundamentais da organização da civilização Egípcia posterior viriam a se estabelecer. Elementos esses como a pintura, a escultura, a escrita e, sobretudo, a mumificação.


        
É possível que a idéia da imortalidade da alma, inerente aos Egípcios antigos, tenha surgido através da observação, ou seja, é muito provável que as populações dos períodos Pré-Dinástico e Neolítico, devido à necessidade de preservar as boas terras para o plantio, enterrassem seus mortos nas secas areias do deserto. Essas areias desidratavam completamente o corpo antes que a putrefação fosse possível, sendo assim, ele ficava conservado. Eventualmente, tempestades de areia ou o simples mover vagaroso dos ventos do deserto punham um desses corpos mumificados naturalmente à mostra revelando cadáveres com cabelos e até roupas, o que permitia sua identificação. Essas experiências podem ter levados os antigos egípcios as acreditar na vida após a morte, teoria que seria o principal dogma de sua complicada Religião.

        
Com a substituição dos Zazat e Saru pelos Reis-Heróis, pode ter havido uma necessidade de se glorificar a vida post mortem de tais figuras e, sendo assim, passou-se a construir mausoléus funerários para eles. Porém, ao isolarem os corpos das causticantes areias do deserto, os mausoléus colaboravam com o processo de putrefação e, dessa forma, os corpos que visavam proteger acabavam por ser destruídos.

        
Com a unificação do Egito, o poder daqueles Reis (que agora eram um só: o Faraó) cresceu muito ascendendo a um status semi-divino (status esse que também só seria consolidado na III Dinastia) e, sendo assim, não era mais aceitável que tais soberanos corressem o risco de não desfrutar de uma vida após a morte adequada, sendo assim, desenvolveu-se uma técnica de evitar a putrefação do corpo, desenvolveu-se a técnica da mumificação.

        
Os soberanos possuíam muitos empregados, servos e, talvez até mesmo escravos, além de mulheres e pessoas de quem gostavam. Quando morriam, queriam que tais indivíduos estivessem com eles, por isso, sempre que um Faraó da I e II Dinastias morria, um grande séqüito de seguidores era obrigado (ou talvez se oferecia como voluntário, mas a primeira opção é mais plausível) a se envenenar para, morrendo, acompanhar seu Faraó em sua viagem para o além.

        
Disse que a hipótese da obrigação parecia mais plausível do que a do suicídio voluntário não por duvidar que alguém possa querer morrer por suas crenças, afinal, como se não bastassem os terroristas de hoje em dia que nos mostram diariamente que são capazes de se matar por sua fé, houve povos, como os Maias, que praticavam o auto-sacrifício com um regularidade tão grande que chegavam a comprometer seus contingentes populacionais em determinadas vilas. Afirmei, no entanto que entre os Egípcios essa não devia ser a regra porque, se o fosse, não teriam sido inventados os ubshabts, ou seja, pequenas estatuetas de servos para serem utilizados no além túmulo, dessa forma, poupando do sacrifício as dezenas (ou talvez centenas) de pessoas que estariam destinadas a servir o Faraó em sua vida após a morte.

        
Até este período não se construíam pirâmides no Egito e os Faraós, bem como os homens mais importantes eram enterrados em grandes tumbas de pedra retangular chamadas mastabas. Dentro das mastabas poderiam haver corredores que ligavam a várias salas, mas, não havia qualquer sistema de segurança contra roubos porque ate então era inconcebível que uma tumba Real fosse saqueada.

        
Apenas para um efeito de elucidação, os Egípcios antigos não acreditavam em reencarnação de qualquer tipo, afinal, seus esforços tumulares e seus sacrifícios não se destinavam a outra coisa senão gerar no além uma continuidade deste mundo, um mundo perfeito onde a Maat (conceito que será debatido mais adiante) era soberana.

 

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Egito: o Berço do Ideal Imperial

Danilo José Figueiredodanilo@klepsidra.net
Mestrando em História Social/USP

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Geografia e ClimatologiaPeríodo FormativoPeríodo Pré-DinásticoReino AntigoGuerras Divinas
1º Período IntermediárioReino Médio2º Período IntermediárioNovo ReinoSupremacia do Sol
Período de CaosPeríodo PtolomaicoDisseminação do Ideal ImperialOutros pontosBibliografia

<- O Período Pré-Dinástico


       
4 – O Reino Antigo:
 
         Como vimos, o período denominado Antigo Império (também chamado Reino Antigo) inicia-se com a III Dinastia, por volta de 2686. Mas qual foi a grande transformação que determinou que a Arqueologia (que, no caso específico do Egito, tem um nome mais apropriado: Egiptologia) e a História passassem a considerar o período iniciado com o Reinado de Sanakhte como sendo um período distinto daquele vivido pelas duas primeiras Dinastias Egípcias?


         Bem, além do fenômeno da construção de pirâmides, que se inicia no governo de Djeser (ou Djoser), segundo Faraó da III Dinastia, outro forte dado para a escolha da III Dinastia como sendo o marco inicial do Antigo Império foi o provável estabelecimento da escrita hieroglífica (se bem que muitos estudiosos dessa escrita não concordem que as formas utilizadas no início do Antigo Império fossem as mesmas que se eternizaram como sendo o padrão de escrita hieroglífica clássica, encontrado, sobretudo, nos túmulos das Dinastias do Novo Império). Para este trabalho, aceitaremos a datação do início do Antigo Império na III Dinastia, mas entenderemos que o principal divisor de águas entre este novo período e seu predecessor seria tão somente a adoção de Hórus como nova Divindade Dinástica suprimindo o culto oficial de Set.
Baixo-relevo em parede mostra
ilustração de Djeser

        
         4.1 – Os Semi-Deuses de Mênfis:
 
         Os Faraós do Antigo Império governaram à partir da cidade de Mênfis, construída por Narmer e Aha no local tido como a mítica vila natal do Escorpião-Rei: Tura. Se esta procedência era verdadeira, não é possível saber, muito pelo fato de Mênfis não conter tantos resquícios arqueológicos quanto outras capitais Egípcias posteriores, como Tebas. Isso porque, pelo fato de a cidade se localizar praticamente no Delta, os índices pluviométricos, bem como os estragos causados pelas cheias do Nilo se fazem muito mais fortes; o que destruiu muitos possíveis achados.


        
Agora que o Egito estava definitivamente apaziguado e que já se podia contar com uma escrita (ainda que não totalmente definitiva) capaz de permitir a administração de longas faixas de terra (é bom que se saiba que aquilo que se entende como sendo o Egito compreende uma faixa de terra relativamente estreita que se localiza nas margens do Nilo nos seus últimos 1200km antes de atingir o Mediterrâneo), era chegada a hora de se estabelecer um regime que proporcionasse sua eterna continuação. Algo precisaria ser criado nesse sentido.

        
Com o intuito de se eternizarem no poder, os soberanos, devem, por volta do final da II Dinastia, ter se feito proclamar criaturas divinas. Isso talvez não fosse algo absurdo para aqueles homens e, possivelmente teria sido uma mera amplificação das atribuições dos antigos Reis-Heróis dos Spat Pré-Dinásticos. Na medida em que um desses Reis conseguiu se sobrepor aos demais e se fazer proclamar Faraó, o Rei do Alto e do Baixo Egito, era mais do que natural que só o tivesse podido fazer pela graça dos Deuses e, sendo assim, a idéia de que ele próprio fosse um “Escolhido dos Deuses” e, posteriormente um “Deus Vivo” não constituía um delírio, algo inaceitável pela população.

        
Há que se lembrar que o Egito não contava com nenhum meio de comunicação que não fosse o Nilo, ou seja, as notícias corriam, em geral através de convocações Estatais e histórias contadas de boca-a-boca, levadas Nilo acima e Nilo abaixo por mercadores, viajantes e oficiais do Faraó. Sendo assim, um indivíduo de tamanho poder, vivendo num palácio numa cidade mitológica, sobre o qual se contavam histórias incríveis seria naturalmente digno de temor, senão de adoração (ou talvez ambos); como um verdadeiro Deus.

        
A deificação do faraó se concretiza na III Dinastia e esta aliada à crença (agora reforçada pela descoberta da mumificação) na vida após a morte, tendia a transformar o poder do soberano algo incomensurável dentro dos padrões humanos.
 

        
4.2 – A Maat e o Espírito do Egito:
 
         É impossível se estudar a História do Egito Antigo sem se mencionar e, principalmente, se compreender o conceito de Maat. Não é possível, no entanto, conceber com exatidão quando este conceito começou a ser formulado pelos Egípcios, porém, algumas sugestões podem ser dadas a esse respeito (farei isso, contudo, neste mesmo item, porém, após a explicação do que é a Maat).

        
Maat é uma palavra Egípcia cuja tradução literal implicaria em dois termos distintos, se bem que afins: Verdade e Justiça! Essa era a base sociedade Egípcia e, toda vez que este conceito era abalado, algo acontecia de muito grave no Vale do Nilo.

        
Para os Egípcios, a Maat estava relacionada à idéia de Ordem, de continuidade, ou seja, se tudo continuasse como sempre foi (camponeses trabalhando, guerreiros guerreando, governantes governando, o Faraó organizando tudo e prestando culto aos Deuses...), a Justiça e a Verdade estariam sendo cumpridas e espalhadas pelo Egito. Porém se algo abalasse a Ordem (algo simples como a morte do Faraó, ainda que por causas naturais), então a Maat estaria em risco.

        
Como foi afirmado, não é possível precisar quando esse conceito foi estabelecido, mas o mais provável é ele seja o resultado de uma busca por estabilidade político-social no Período Proto Dinástico (I e II Dinastias) enfim alcançada. É certo, porém, que para ter se tornado um conceito universal dentro do Egito, sendo cultuado e aceito por cada indivíduo desde o mais humilde camponês até o próprio Faraó e sua corte, a Maat não pode ter sido meramente formulada num dado momento e imposta à força à população, por isso, é provável que seu conceito seja uma reelaboração (e talvez até uma revisão) de costumes mais antigos, que talvez remontassem a épocas longínquas onde a população ainda era nômade. Aliás, uma boa teoria para o surgimento do conceito de Maat seria a idéia de diferenciação entre os povos sedentarizados das margens do Nilo e os povos ainda nômades que vagavam pelo deserto acampando e se estabelecendo temporariamente em oásis.

        
Quando um Faraó morria, o período de tempo até que um outro soberano assumisse o poder era um período de conturbações onde a Maat corria sérios riscos. As crenças populares relacionavam anos de cheias irregulares (muito altas (capazes de destruir vilas e casas ao invés de ajudar com o humos restaurador da vida) ou muito baixas (o que trazia a certeza de más colheitas e, portanto, de fome)) do Nilo com distúrbios na Maat. Tamanha era a crença na Maat que não é difícil relaciona-la com uma modificação na teoria da vida após a morte surgida no início do Antigo Império, ou seja, esta estaria agora totalmente dependente da Maat. Vejamos:

        
Se o Faraó era o enviado dos Deuses os Egito para assegurar a manutenção do Reino, cabia a ele, acima de qualquer outro, zelar pela Maat. Se seu governo tivesse sido bom e, dessa forma do agrado dos Deuses, então o Faraó mereceria culto por muitos e muitos anos (virtualmente pelo resto da eternidade), sendo assim, seria eterno no pós-morte. Se o Faraó fosse eterno no pós-morte, ele continuaria exercendo por lá o mesmo papel que exercia em vida, ou seja, o de governante e, dessa forma, precisaria de um Estado para governar. Esse Estado seria composto pelos indivíduos que habitavam o Egito enquanto ele era vivo e que, dessa maneira foram beneficiados por sua competente manutenção da Maat. Sendo assim, se o Faraó fosse bom e vivesse para sempre, logo todo o Egito viveria, ou seja, a vida após a morte dos indivíduos do Antigo Império não era individual, mas ligada ao Espírito do Egito: a Maat. Esta, por sua vez era dependente do bom governo do Faraó que, por sua vez, só poderia se realizar com a colaboração da população o que obrigava todos a se engajarem na luta pela manutenção da Maat.
 

        
4.3 – A Expansão Territorial e a Formação do Exército:
 
         Tão logo o Egito estava consolidado, a intenção dos Faraós se voltou para os territórios além Nilo, ou seja, para a Núbia (que, apesar de se localizar também às margens do Nilo, ao sul, talvez pela etnia, talvez pelas cataratas que constituíam barreiras naturais à expansão humana, não fazia parte do Egito), para a Líbia, para o Sinai e para os povos dos oásis.

        
O Egito havia alcançado um nível de organização político incomparável com qualquer civilização da mesma época, no entanto, seus exércitos ainda eram organizados da mesma forma primitiva que aqueles dos antigos Spat.

        
Homens que trabalhavam no campo e que não dispunham de qualquer treinamento militar eram periodicamente convocados pelos líderes regionais (sobre a organização política do Egito discorrerei um pouco mais adiante) para integrar o exército nacional. Recebiam lanças, fundas, clavas e manguais, às vezes recebiam certos tipos de capacetes e escudos e partiam, divididos em pelotões de infantaria apenas, para marchas de conquista.

        
É certo que a organização do Estado Egípcio, bem como a agricultura de irrigação, permitiam que o contingente populacional fosse bem grande, o que tornava praticamente impossível aos agredidos resistir por muito tempo aos assaltos Egípcios. Porém, perdas constantes de homens que constituíam força de trabalho tanto privada quanto pública (no período da Inundação) poderiam enfraquecer o poder do Egito.

        
Não é comprovado, mas especula-se que desde os tempos mais remotos o Faraó sempre fora o comandante militar supremo do Egito, sendo assim (coisa que não é de se admirar, uma vez que eram os descendentes dos antigos Reis-Heróis glorificados no combate), sua presença necessariamente inspirava os guerreiros que, afinal de contas, estavam combatendo lado a lado com um Semi-Deus.

        
Os contatos comerciais com a Fenícia foram alguns dos primeiros movimentos internacionais realizados pelo Egito centralizado, talvez até os Monarcas do Proto Dinástico já os tivessem iniciado e era através desses contatos que o Egito obtinha o cedro tão necessário para a navegação.

Os primeiros esforços militares de expansão devem ter sido em direção à Núbia, afinal, sabia-se que lá havia muitas minas de ouro. A região que não era tão bem organizada (na realidade não se sabe quase nada sobre a organização política da Núbia (atual Sudão) numa época tão recuada) foi facilmente submetida e nela foram instalados colonos mineiros. Além da instalação de Egípcios na Núbia, é muito provável que tenha havido um certo intercâmbio populacional, já que produtos da Núbia eram bem vistos no Egito e que, dentro de pouco tempo, passa-se a ver mercenários Núbios agindo como guardas pessoais do Faraó.

     
  O domínio da Núbia consistia em se vencer as cataratas do Nilo e, sendo assim, no Antigo Império, ele não passou da região entre a primeira e a segunda cataratas.

        
Tomadas as minas da Núbia, o próximo passo era marchar rumo ao Sinai, a península que divide a África e a Ásia, localizada ao norte do mar Vermelho. No Sinai existiam grandes quantidades de cobre e este material era indispensável para a evolução militar do Egito, além de turquesas, pedras muito apreciadas pelos Egípcios (acredita-se que as primeiras expedições ao Sinai com o objetivo de obter turquesas tenham ocorrido ainda na I Dinastia, sob a liderança dos Faraós Djet e Den). Com o cobre extraído no Sinai foram confeccionadas novas armas, mais eficientes que as de madeira, sílex e pedra utilizadas até então e, a partir desse domínio, o fôlego militar do país dos Faraós aumentou.

     
Com o domínio do Sinai, estabeleceram-se portos no mar Vermelho e, a partir deles, foram lançadas expedições marítimas ao lendário Punt (país ou região mais comumente associada à atual Somália), de onde foram trazidas diversas raridades, inclusive girafas.

     
O próximo rumo dos exércitos seria os oásis, ou seja, seria a pacificação das populações nômades e semi-nômades que, por sua própria existência, comprometiam a Maat, visto que não pode haver Ordem num mundo de Caos e incerteza como o dos nômades e o que era pior, esse indivíduos habitavam as proximidades do Nilo e, vez por outra, atacavam populações de vilas menores em busca de saques e de animais domesticados. Isso precisava parar e os Faraós se dedicaram a faze-lo.

    
No caminho natural da expansão o Egito atingiu a Líbia, região que, devido à proximidade com o Delta e à característica nômade de sua população atacava freqüentemente o Egito, e de lá trouxe mais produtos inusitados e mais mercenários para servirem nos palácios do Faraó, bem como escravos (o Faraó Snefru, da IV Dinastia, aprisionou mais de sete mil Núbios e onze mil Líbios em duas campanhas distintas).

     
Por volta do início da VI Dinastia, os primeiros contatos comerciais entre Egito e Creta são relatados por fontes Minóicas (Cretenses), o que comprova que os Egípcios já haviam conseguido dominar a navegação marítima com certa tranqüilidade, a ponto de arriscarem precisos navios em comércio com Creta.

        
Com efeito, a expansão do antigo Império não foi um fenômeno rápido como a narrativa linear faz parecer, ela perdurou por mais de 400 anos sendo interrompida em determinados períodos e intensificada em outros. Porém, mais do que formar um grande Império, coisa que ela não foi apta a fazer (uma vez que apenas conseguiu pacificar parcialmente os povos nômades do deserto, e estabelecer colônias mineradoras no Sinai e no norte da Núbia a região mais tarde conhecida como País de Kush), essa expansão foi uma das responsáveis pela consolidação do ideal de nação Egípcia, na medida em que fez com que povos das mais variadas regiões lutassem juntos num só exército, além de por o Egito em contato com povos estrangeiros, coisa que, em escala tão grande, nunca tinha acontecido até então.

        
Como efeito secundário da expansão podemos notar a formação de uma espécie de guarda nacional de mercenários, responsável pela defesa do Egito e não pela conquista de territórios e uma melhora significativa na capacidade bélica dos exércitos com a introdução gradual de novas armas (primeiro os escudos, depois os capacetes e, por fim, as armas de cobre). No final do Antigo Império surge o kopesh, uma arma que viria a ser uma marca registrada da região do Egito por muitos e muitos anos, até mesmo os soldados de Napoleão Bonaparte tiveram que enfrentar guerreiros Mamelucos do Egito que, montados em camelos, empunhavam cimitarras, aperfeiçoamentos do antigo kopesh Egípcio inventado no final do Antigo Império.
 

        
4.4 – O Faraó, a Política e Poder no Egito:
 
         Mencionei anteriormente que o Egito era dividido em Spat, ou Nomos, mencionei também que estes eram espécies de conglomerados de vilas próximas ligadas a uma espécie de vila-mãe e que eram aproximadamente 40 distribuídos ao longo de toda a extensão do Nilo.

        
Pois bem, a partir desses Spat, como já foi mencionado, se processou a unificação gradual do Egito que culminou na criação de dois Reinos que posteriormente foram unificados em um só por Narmer e seus sucessores.

        
A questão que nos resta é justamente como se processava a divisão política dentro do Egito depois de sua unificação, visto que, como já expliquei, antes dela havia Assembléias Populares (Zazat) e Conselhos de Anciãos (Saru), que foram gradualmente substituídos por autoridades Reais obtidas em batalhas.

        
Continuando uma evolução lógica da polícia Egípcia, percebe-se que através de alianças e/ou combates os antigos Reis-Heróis foram unindo os Spat sobre sua autoridade e essa união resultou no Egito, mas não podemos deixar de ter em mente que não é porque um povo é conquistado por outro e passa a ser por ele dominado que todas as suas particularidades culturais desaparecem. É certo, no entanto, que um domínio muito prolongado pode impor certos traços culturais do dominador, como, por exemplo, a língua (o que explicaria que apenas um idioma (o Egípcio) se espalhasse por todo o Egito). Após a unificação de alguns Spat, o Rei do Spat que se encontrava em situação de preponderância era intitulado Rei e os demais, governadores de províncias, essa situação permaneceu mesmo após a unificação de todo o Egito, sendo assim, esse antigos Reis passavam agora a ser espécies de governadores que, neste texto, seguindo o termo Grego, serão chamados de Nomarcas.

        
Cada Nomarca era, com efeito, uma espécie de Rei em seu Spat. Vivia em uma cidade central e controlava-a, bem como às diversas vilas que constituíam seu domínio. Havia um resquício do antigo Saru, ou seja, uma espécie de Conselho dos cidadãos mais importantes de cada uma das vilas que assistia o Nomarca no governo da província. O Zazat nunca deixou de existir, mas, é muito provável que se algum dia tivesse realmente tido algum tipo de poder de voto, no Egito unificado tenha sido reduzido apenas a uma reunião pública onde os membros do Saru comunicavam as decisões do Nomarca e/ou do Faraó.

        
É óbvio que um sistema burocrático tão descentralizado e, ao mesmo tempo tão centralizado (descentralizado do ponto de vista em que existiam diversas instancias de poder público e centralizado no sentido em que algumas dessas instâncias eram de fato detentoras de muito poder sobre as regiões às quais lhe cabia mandar) não poderia existir se não contasse com muitos oficiais régios. Estes oficiais, bem como os próprios governantes das mais variadas instâncias tinham de ser necessariamente letrados, sendo assim, os oficiais redigiam documentos ditados por seus superiores e eram encarregados de leva-los a quem fosse devido e de, no caso de avisos à população, lê-los em público. Estes oficiais são popularmente conhecidos como Escribas e trabalhavam na só no governo, mas também nos mais variados templos.
 

        
4.4.1 – O Alto e o Baixo Egito:
 
         Como originalmente o Egito havia sido unificado em dois Reinos e como ele nunca deixou de se reconhecer oficialmente como a união de dois Reinos sob um único governante, nada mais natural que houvesse um governante no Alto Egito e um no Baixo Egito, ambos imediatamente abaixo do Faraó. Este cargo realmente existia era conhecido como Tjati (muitos livros referem-se a este cargo com o título de Vizir, o que é um erro, uma vez que tal título é de origem Turca e só seria implantado por volta do século XII d.C., quando os Seldjúcidas se tornariam Vizires dos Califas Abássidas de Bagdad), uma espécie de Primeiro Ministro.

        
Na realidade, o Tjati era o supremo chefe político do país e habitava em uma grande cidade do Reino, usualmente Hierakonpolis no Alto Egito ou Buto no Baixo Egito.

        
As atribuições dos Tjati eram as mais variadas possíveis, desde servirem como supremas cortes judiciais no caso de o julgamento dos Nomarcas não ser considerado adequado em algum caso, até ordens administrativas de menor importância relacionadas ao Reino. Com efeito, a própria existência do Tjati visava reduzir um pouco a já atribulada agenda do Faraó. Em tempos futuros, na época do Novo Império, passará a haver dois Tjati, um no Alto Egito que viria a viver em Tebas e um no Baixo Egito em Hiliópolis, sendo que, dependendo de onde o Faraó optasse por morar, ele poderia vir a ser controlado por um de seus Tjati. Este era o cargo de maior prestígio que poderia ser ocupado por alguém de origem popular, desde que, é claro, fizesse por merecer uma indicação do Faraó.

        
Ser Tjati implicou, como veremos, em várias épocas, em mandar no Egito inteiro sem que seu nome fosse conhecido por muitos, uma verdadeira “Eminência Parda”.
 

        
4.4.2 – A Agenda do Faraó:
 
         O Faraó era o único verdadeiro Sacerdote de todo o Egito, além de ser o chefe supremo dos exércitos e da política. Apesar de ser considerado um Semi-Deus, o Faraó era apenas humano e, como tal, jamais daria conta de exercer todas essas obrigações sozinho, sendo assim, utilizava-se de auxiliares.

        
No caso da política, esse auxiliar era o Tjati, no caso dos exércitos, os Generais e no caso das funções religiosas eram os Sacerdotes.

        
Dependendo das características pessoais do Faraó ele poderia optar por ser aproximar mais de uma ou de outra função. Portanto, houve Faraós que se empenhavam muito e pessoalmente em campanhas militares, outros que viajavam o Egito inteiro freqüentemente para fazer cerimônias religiosas nos mais diversos templos da nação e outros que preferiam se ocupar de ordens políticas, como construções e recrutamentos para trabalhos diversos.

        
Estando presente o Faraó, era ele quem realizava o culto ao deus do templo, fosse este qual fosse, afinal, o Faraó era um Deus em essência, apesar de ser um homem na forma, o que lhe fornecia a atribuição de cultuar os seus iguais.

        
Como Sacerdotes, os Faraós podiam entrar nas câmaras escuras onde residiam os Deuses representados por suas estátuas, podiam vê-las, unta-las e vesti-las, podiam dar-lhes de comer e orar a elas. Em sua falta, quem fazia estas tarefas eram os Sacerdotes, os homens indicados pelo Faraó, ou em nome dele, para realizar funções sacras. O mais interessante sobre os Sacerdotes é que eles eram funcionários do Estado e não necessariamente fiéis do Deus que eram incumbidos de cultuar. Ocorriam muitas vezes de Sacerdotes devotos de um Deus serem nomeados para o culto de um outro, o que não influenciava na qualidade do serviço do indivíduo, visto que fazia parte de suas obrigações para com a manutenção da Maat prezar pelo cuidado com as estátuas dos Deuses.

        
De uma maneira um tanto aproximada, os Deuses originais de cada Spat continuaram sendo os Deuses principais daquelas comunidades para sempre, porém, a fama de alguns Deuses fazia deles campeões da fé nacional (como veremos mais adiante). O que é mais interessante é que aquelas entidades originalmente zoomórficas, com a deificação do Faraó (um humano), foram adquirindo formas intermediárias entre animais e homens, sendo assim, começam a surgir Deuse antropomórficos e ainda antropozoomórficos.
 

        
4.4.3 – A Sucessão Real:
 
         Talvez por causa da atitude de Narmer de ter desposado uma princesa do norte, talvez por algum costume Neolítico mais obscuro, talvez por alguma tentativa de apaziguamento das populações do Baixo Egito perpetrada pelos Monarcas do Proto Dinástico, ninguém sabe ao certo, mas o fato é que a fórmula de sucessão ao trono desde os primórdios do Antigo Império seguiu praticamente inalterada até o final do Novo Império, sendo que alguns Faraós posteriores vieram a adota-la novamente como forma de legitimação de seus poderes.

        
A fórmula não era tão simples quanto a tradicional primogenitura masculina Européia, ou seja, a forma de sucessão onde o mais velho filho homem do Monarca será o próximo governante. Entre os Egípcios, a sucessão Real era transmitida pelas mulheres, se bem que elas não pudessem legalmente ocupar o trono (ainda que em determinadas ocasiões o tenham feito).

        
Para começar a exposição, precisamos explicar que apesar de a monogamia ser a regra na sociedade Egípcia, o Faraó, e apenas ele, estava livre para se casar com quantas mulheres quisesse. As mulheres do Faraó eram distribuídas em três categorias de importância: Concubinas, Esposas Secundárias e a Grande Mulher do Rei.

        
Qualquer mulher que o Faraó desejasse, desde simples criadas, até uma camponesa, passando por escravas e até mesmo estrangeiras poderia ser uma Concubina. Essas esposas terciárias habitavam o harém do Faraó e eram verdadeiras escravas sexuais do Semi-Deus. Estavam sempre bem limpas e cuidadas estando à disposição do Faraó para saciar seus impulsos sexuais. Seus filhos muitas vezes se tornavam Oficiais, Escribas, Sacerdotes e Sacerdotisas, além de possíveis esposas (no caso de filhas) de Sacerdotes e dignatários de importância intermediária.

        
Princesas estrangeiras, filhas de grandes Sacerdotes e dignatários, esposas do Faraó morto, dentre outras mulheres de grande ou relativa importância poderiam vir a se tornar Esposas Secundárias do Faraó. De fato, os Faraós utilizavam este tipo de casamento como política de alianças e como chances de diversificação das chances de possuírem um filho homem. Porém, não devia haver muitas Esposas Secundárias, talvez um número aproximado de dez apenas. Filhas dessas mulheres estavam destinadas a se casarem com seus irmãos, com altos funcionários, como o Tjati, com Reis estrangeiros ou ainda a se tornarem Sacerdotisas de grandes templos do Egito. Os Filhos dessas Esposas Secundárias do Faraó poderiam vir a se tornar os novos Faraós, ou ainda altos Sacerdotes, Generais, chefes de colônias mineradoras estrangeiras (como no Sinai e na Núbia) e, mais tarde, Vice-Reis de importantes regiões submetidas.

        
A Grande Mulher do Rei era apenas uma, muitos autores se referem a ela como sendo a Rainha do Egito, mas isso é um erro, pois o seu título não a nomeava dessa forma. Sua procedência é controversa, sabe-se, no entanto, que Faraós poderosos como Amenófis III casaram-se com mulheres de origens não dignas e elevaram-nas à condição de sua Grande Mulher. Acredita-se que originalmente a Grande Esposa do rei devesse ser necessariamente uma princesa do Baixo Egito, sendo assim, ela poderia ser de linhagem estrangeira (descendente dos Acadianos), ao menos no Antigo Império. Caso ela tivesse filhos homens, uma deles (usualmente o mais velho) seria o novo Faraó, no entanto, caso ela só viesse a ter filhas, o indivíduo que viesse a desposar a mais velha delas seria o novo Faraó.

        
Por essa razão os Faraós costumavam preparar seus escolhidos como sucessores (usualmente um filho de uma de suas Esposas Secundárias) para estarem aptos a ocupar o cargo quando chegasse a hora e entre essas preparações constava o casamento do herdeiro com a filha mais velha do Faraó com sua Grande Mulher. Essas precauções eram tomadas para que no momento de perturbação de Maat advindo da morte do Faraó, nenhum oportunista forçasse seu casamento com uma das princesas e, dessa forma, se tornasse o novo Faraó.

        
Caso a Grande Mulher do Rei não tivesse nenhum filho, o novo Faraó seria aquele que com ela se casasse após a morte de seu marido. Com efeito, no Egito Antigo eram as mulheres que portavam o poder Real e os desígnios da Maat faziam com que um determinado indivíduo se casasse com elas e, dessa forma se mostrasse como sendo o eleito dos Deuses para ser o novo Faraó, para ser o Deus Vivo do Egito.

      
Mas se as mulheres transmitiam o poder Real, como as Dinastias mudavam?

     
Bem, Dinastias podiam mudar de várias maneiras, ataques, golpes de Estado... Porém, o modo mais usual era quando o Faraó morria sem deixar filhos homens, sendo assim um indivíduo que não pertencia à linhagem Real desposava a filha mais velha da Grande Mulher do Rei e se tornava Faraó. É bom, no entanto, que se tenha em mente que quem dividiu a História do Egito em XXXI Dinastias foi Mâneton, sendo assim é muito pouco provável que os Egípcios tivessem essa noção de continuidade e descontinuidade de governantes, só o que sabiam era que seu Semi-Deus os estava governando.

 
         4.4.4 – Os Símbolos do Poder Faraônico:
 
         Como já mencionei no item sobre o Escorpião-Rei, os principais símbolos de poder do Egito eram as duas coroas: a branca do Alto Egito e a vermelha do Baixo Egito. No entanto, não eram esses os únicos símbolos de poder daquela civilização que se encontravam nas mãos do Faraó.

        
A coroa branca e a coroa vermelha eram os mais antigos símbolos de poder do Egito tendo sido estabelecidas na época do Período Pré-Dinástico. Talvez fossem os símbolos de poder dos Spat que unificaram respectivamente o Alto e o Baixo Egito. Quando da unificação nacional, ambas caíram nas mãos de um só indivíduo e, ao invés de serem substituídas por uma terceira coroa, foram brilhantemente fundidas numa só, aliás, as duas coroas se encaixavam perfeitamente fazendo uma terceira coroa.

        
As influências semíticas nas tradições Egípcias são muito visíveis, por exemplo, um dos principais símbolos de poder dos Faraós era uma longa barba falsa presa a seu queixo, um símbolo de sabedoria e, por conseguinte, poder oriundo das tradições semitas.

        
Como o Faraó era ao mesmo tempo um bom pastor que guiava seu povo segundo os desígnios da Maat e um Deus punidor capaz de castigar quaisquer indivíduos que fossem merecedores de tal punição, ele utilizava em uma das mãos um cajado de ponta curva, como aqueles utilizados pelos pastores de ovelhas; e na outra mão um mangual como o utilizado pelos guerreiros nos campos de batalha para massacrar seus inimigos.

        
Com a expansão militar do Egito ao longo do Antigo Império e a participação do Faraó em campanhas militares, ele precisaria de um capacete que o protegesse de possíveis ataques nos combates, mas que também demonstrasse perante seus súditos que ele era o Faraó. Este capacete foi criado por volta do final da II Dinastia e concentrava em si o poder militar de todo o Egito. Ele era azul com listras douradas, talvez de ouro, além de possuir fitas de linho presas em sua parte posterior.

        
Outro símbolo de poder era o rabo de touro que o Faraó utilizava atado à sua cinta em ocasiões especiais, os especialistas ainda não conseguiram chegar a um consenso sobre a função simbólica deste ícone, mas, possivelmente ele está relacionado à característica de pastor (condutor) que o Faraó possuía, algo semelhante ao cajado de pastor por ele portado.

        
Talvez o mais conhecido símbolo do poder Faraônico eram toucas de linho rijo com fios de ouro, normalmente vermelhas ou azuis que o Faraó utilizava sobre a cabeça quando estava em seu palácio, visto que ele nunca era visto em público com a cabeça descoberta (por razões que serão explicadas mais adiante neste mesmo sub-item).

        
Por fim, o Faraó possuía dois Nems, espécie de coroa que ele utilizava sobre a cabeça. Uma delas possuía as insígnias do Baixo Egito (duas enormes penas erguidas) e a outra possuía as insígnias do Alto Egito (um chifre de carneiro encerrando um disco solar).

        
Salvo pela exceção das coroas do Baixo Egito e Alto Egito e da coroa militar, todos os demais pertences podiam ser sepultados junto com o Faraó. Porém, as três coroas, por representarem o Egito, deveriam permanecer na atividade sendo transferidas de Faraó para Faraó. É possível que só tenha havido um único exemplar de cada uma delas ao longo de toda a História Egípcia, no entanto, nenhuma delas jamais foi encontrada.

        
Em todas as coberturas de cabeça utilizadas pelo Faraó havia uma serpente pendendo sobre a testa do Monarca. Acreditava-se que caso alguém se aproximasse muito dele sem ser convidado a serpente o fulminaria com um fogo venenoso. Além disso, qualquer um que tocasse ou fosse tocado pelo Faraó morreria instantaneamente por ter tocado o próprio Sol. A única maneira de evitar a morte numa ocasião dessas era obter o perdão do Faraó. Apenas em ocasiões muito especiais o Faraó permitia que indivíduos ilustríssimos se prostrassem perante ele e beijassem seus pés.

        
Havia Sacerdotes especialmente designados para manter as pessoas longe do Faraó, esses Sacerdotes, devido à proximidade que mantinham com o governante do Egito, precisavam se purificar constantemente com banhos para evitar sua própria ruína.
        

        
4.5 – Razões para a Desintegração do Antigo Império:
        
         Ao longo de quatro Dinastias o Egito cresceu, se expandiu e dominou outras regiões. O comércio com países distantes como Punt, Fenícia e Creta trouxe artigos nunca antes vistos no Vale do Nilo, além de mercenários e escravos das mais diversas etnias. A introdução do cobre inseriu o Egito, ainda que tardiamente, na Idade dos Metais e o poder dos Faraós só fez crescer, sendo que a IV Dinastia foi seu período de maior esplendor em todos os tempos.

       
Dentro de um contexto de tanta pujança é difícil pensar que o Egito pudesse entrar em decadência. Muitos Historiadores têm se questionado sobre a razão que teria feito com que o Antigo Império se desagregasse. Porém, dada a distância no tempo em que se encontram os fatos é muito difícil precisar alguma coisa. Em termos gerais, três grandes teorias se mostram as menos imperfeitas acerca de tal desintegração. Vejamos as três:

        
Segundo alguns estudiosos, a razão para a bancarrota do Antigo Império teria sido o longo governo de Pepi II (Neferkará Phiops II), que, segundo alguns, teria durado mais de 90 anos. Para estes pesquisadores, o fato de um Faraó governar tanto tempo teria comprometido a política militar, uma vez que para eles apenas o Faraó poderia liderar expedições punitivas e conquistadoras, sendo assim, devido ao grande período de senilidade pelo qual teria passado Pepi II, essas expedições teriam deixado de ocorrer o que teria ocasionado a perda das colônias da Núbia e do Sinai, bem como um fortalecimento demasiado dos Líbios, dessa maneira, quando o Faraó morreu, seu sucessor não teria sido forte o suficiente para combater as investidas Líbias e o Antigo Império teria entrado em colapso. Para agravar a situação, Pepi II teria vivido mais do que seus filhos e esposas, sendo assim, teria morrido sem deixar herdeiros legais, o que acarretou numa mudança de Dinastia e, por conseguinte, na ascensão de um Monarca sem legitimidade ou ainda, quiçá, no início de disputas Dinásticas que teriam corroído o Reino de dentro para fora.

        
Essa teoria pode ser convincente, mas há nelas alguns problemas, por exemplo, um dos mais fortes indícios para se crer que Pepi II viveu tanto são as listas de Mâneton (que já foram mencionadas), no entanto, como já foi dito, no que se refere às seis Dinastias do Antigo Império, Mâneton prolonga em demasia os governos de modo a conseguir fazer com que a História do Egito remonte ao século XCV a.C., ao invés do século XXXI a.C, como se pensa hoje. Outro motivo é que se alega que uma estela datada do governo de Pepi II confirmaria o longo governo daquele Faraó, no entanto, se analisarmos a própria História do Egito, veremos que no Novo Império, o Faraó Horemheb (último governante da XVIII Dinastia) fez com que os nomes de seus quatro predecessores (Aye, Tutankhamon, Smenkhare e Akhenaton) fossem riscados do mapa, dessa forma, seu primeiro ano de governo foi legalmente seu trigésimo. Caso este Faraó tivesse governado por trinta anos mais, teríamos um governo de sessenta anos. É claro que no caso de Horemheb, sua farsa foi descoberta pelos Egiptólogos, porém, ele Reinou quase mil anos depois de Pepi II, sendo assim, muito mais vestígios nos restam dos tempos de seu governo. É muito possível e provável que Pepi II, seja por que motivo for (no caso de Horemheb, como veremos, foi pra apagar da História o Período de Amarna, comandado por Akhenaton), tenha querido alongar seu tempo de governo e, sendo assim, talvez tenha mandado suprimir da História o governo de um ou mais Faraós ganhando vários anos para seu governo e conseqüente glória. Dou essas afirmações como certas pelo fato de a expectativa de vida média dos habitantes do Egito Antigo não ser superior a 45 anos. É verdade que as condições de vida do Faraó eram as melhores possíveis, mas também é verdade que mais do que dobrar a expectativa de vida média de uma população é algo muito difícil, para se ter uma idéia, um brasileiro que conseguisse a proeza de Pepi II teria que viver ao menos 150 anos. Como disse uma vez ao jornalista Roberto Navarro da Revista Super Interessante, em entrevista; acredito que seja pouquíssimo provável, senão impossível, que Pepi II tenha vivido tanto, sou muito mais propenso a pensar que seus infindáveis anos de governo se tratem de uma fraude Histórica ainda não descoberta.

        
Agora que já desmistifiquei o longo governo de Pepi II, resta-me a árdua tarefa de explicar porque então o Antigo Império entrou em desintegração e acabou ruindo tão rapidamente.

        
Antes de começar a expor minhas teorias, gostaria de dizer que elas não são minhas, mas apenas duas das teorias a que tive acesso em minha pesquisa. Não as considero perfeitas, mas, tão somente, as melhores dentre as que pude ler.

        
Alguns pesquisadores, apoiados em dados climáticos passados (não me perguntem como tais cálculos são feitos, não entendo nada de astronomia, geologia e coisas do gênero) chegaram à conclusão de que houve um período de leve resfriamento no centro da África por volta do final do século XXIII e início do XXII a.C.. Este resfriamento não foi significativo a ponto de se tornar perceptível para as populações que habitavam as margens do Nilo, no entanto, foi o suficiente para reduzir o fator de degelo das montanhas onde nasce aquele que é tido como o mais extenso rio do mundo. Graças a esse degelo diminuto, as cheias de vários anos a fio não foram suficientes para sustentar a agricultura necessária para a manutenção do Egito e, sendo assim, uma crise iniciou-se.

        
Com os armazéns vazios, o Faraó não teve escolha senão suspender o envio de comida para as colônias mineiras do Sinai e da Núbia, além disso, expedições militares se tornavam inviáveis, por demandarem provisões em estoque. Sem comida e sem ouro, o comércio internacional também naufragou e, dessa forma, o Egito começou a regredir.

        
Naturalmente, esses desequilíbrios climáticos provocaram o caos e foram vistos como um forte abalo na Maat, sendo assim, o poder do Faraó começou a ser contestado. Aliado a isso, talvez esteja o fato de Pepi II ter vivido muito (não os quase cem anos que lhe são atribuídos, mas ainda assim, muito), o que pode tê-lo deixado sem herdeiros, sendo assim, quando este veio a falecer, uma luta sucessória pode ter sido desencadeada (como falaremos mais adiante) essa luta aliada às invasões do Delta pelos Líbios que já não eram combatidos em suas terras, fez com que o poder dos Nomarcas voltasse a crescer e, sendo assim, os Spat voltaram a ser independentes na prática e cada Nomarca voltou a ser uma espécie de pequeno Rei.

        
A outra teoria, a que considero a melhor e, portanto, a que deixei por último, não associa a derrocada do Antigo Império a um rápido período ocorrido na VI Dinastia, mas sim, a um longo processo Histórico iniciado na gloriosa IV Dinastia. Segundo essa teoria, os Monarcas da IV Dinastia, por se sentirem tão divinos quanto a população julgava que fossem, teriam desenvolvido práticas protecionistas em relação a família Real. Dessa forma, todos os cargos públicos importantes passaram a ser ocupados por pessoas dessa família, talvez para evitar, como havia ocorrido na III Dinastia, que um indivíduo de origens populares como Imhotep (do qual falaremos mais adiante) ascendesse a cargos que lhe proporcionassem uma futura deificação.

        
Talvez como forma de garantir que sua família fosse perpetuada na condição de grande soberana do Egito para todo o sempre; os Faraós da IV Dinastia desenvolveram uma revolução religiosa (que será pormenorizada no item específico). Essa revolução consistiu basicamente em intensificar o culto a uma divindade antiga: Ra, de Heliópolis.

        
Ra, o Deus Pássaro, era tido como pai de Hórus (se bem que como veremos, este Deus também era filho de Osíris), o Deus Falcão da Realeza e, sendo assim, seu clero passou a ser imposto como o principal clero do Egito, coisa que até então nunca havia acontecido. O acesso ao clero de Ra só era permitido aos membros da família Real e, sendo assim, por esse subterfúgio, eles podiam permanecer no controle de todos os aspectos da sociedade, com seus pares legitimando suas ações.

        
No entanto, o que inicialmente pareceu uma boa idéia, logo se mostrou ruim, visto que a procedência Real dos Sacerdotes de Ra fazia com que suas reivindicações possuíssem muito mais legitimidade do que a de quaisquer outros indivíduos, sendo assim, o Faraó passou a doar terras para o clero de Ra, o que fez com que ele se tornasse extremamente poderoso.

        
Com o fim da IV Dinastia e a ascensão da V, o clero de Ra continuou dominado pelos descendentes da antiga Dinastia Reinante e, sendo assim, como já não viam seus parentes sentados no trono de Mênfis, começaram a utilizar seus poderes políticos (advindos das terras dos templos que lhes haviam sido doadas pelos Faraós da IV Dinastia) e sua força religiosa para pressionar o poder central. Em pouco tempo, o Faraó, que antes era o Hórus vivo, ou seja, um Deus, passou a ser visto como o filho de Ra, ou seja, o filho de um Deus, o que diminuiu seu status. Isso explicaria o fato de na V Dinastia a construção de pirâmides ter declinado (com a diminuição do tamanho e da importância devotadas a essas construções) e a construções de templos e obeliscos (estes eram os tronos de Ra na Terra, onde ele se sentava todas as manhãs, com o nascer do Sol) a Ra ter se intensificado.

        
Visando consertar essa situação, os Faraós da VI Dinastias passaram a favorecer os Nomarcas, visando adquirir uma forte base de sustentação política que lhes permitisse suplantar o poder do clero de Ra. Porém, essa tentativa teria sido o último erro dos Monarcas do Antigo Império, uma vez que os recursos destinados a financiar a expansão eram agora doados aos Nomarcas. Estes, por sua vez, ao invés de garantir sustentação política ao Faraó, se fizeram, aos poucos, pequenos Reis em seus próprios Spat, alguns, se fazendo adorar entre seus subalternos, como verdadeiros Deuses. O Faraó viu seu poder ruir e aí talvez entre o longo governo de Pepi II, que, por ter visto o Faraó morrer sem deixar herdeiros legítimos, teria precipitado uma crise que já se arrastava lentamente desde o período de maior poder dos Faraós do Antigo Império.
 


        
4.6 – Práticas Funerárias do Antigo Império:
 
Durante todo o Antigo Império a capital do Egito foi a cidade de Mênfis e, em suas proximidades existe uma região conhecida como Sakkara. Nesta região, desde os primórdios da I Dinastia, os Faraós eram enterrados em suas mastabas (como já foi mencionado). Sakkara acabou por se transformar numa espécie de Necrópole, a primeira do Egito Antigo.

Com o tempo os Faraós construíam suas mastabas e, ao seu redor, mastabas menores eram erigidas para seus asseclas mais próximos.

Não se sabe ao certo com que intuito (se bem que isso será discutido mais adiante), mas provavelmente com o de demonstrar sua grandeza, o segundo Faraó da III Dinastia: Djeser (de quem já fiz alguns comentários), incumbiu seu Arquiteto Real de construir um túmulo piramidal.


Ao contrário do que se pensa, os Egípcios não eram grandes matemáticos (ao menos não até Euclides, no século IV a.C., mas mesmo este não era Egípcio, mas Grego radicado em Alexandria), sendo assim, suas obras arquitetônicas monumentais se tornam ainda mais maravilhosas.

Pirâmide de Imhotep
          A pirâmide de Djeser, por exemplo, foi construída por Imhotep (sim este é o indivíduo que inspirou o filme “A Múmia”, se bem que seu comportamento e sua história nada tenham em comum com os do personagem monstruoso do cinema hollywoodiano) à partir de cálculos simples apoiados por tentativas. Esta pirâmide, também chamada de pirâmide de mastabas foi a primeira do Egito e consistiu basicamente de uma pilha de cinco mastabas em tamanho decrescente.


Estátua de Imhotep



O Imhotep do cinema ("A Múmia")
A fama alcançada por Imhotep devido à construção da pirâmide foi tamanha que ele se tornou popularmente conhecido como o homem mais sábio do Egito, sendo considerado um grande arquiteto, médico e mágico. Quando faleceu, passou a ser cultuado como Deus da Cura, tendo seu culto resistido até o Período Ptolomaico. Ele foi realmente o criador da medicina Egípcia, além de ser o inventor dos tetos sustentados por colunadas, técnica que depois seria exportada do Egito para a Grécia e se tornaria a principal marca arquitetônica daquela civilização.


      A Necrópole de Sakkara logo começou a ser povoada por pirâmides sendo que dentro em breve o modelo escalonado (ou de mastabas) criado por Imhotep foi ultrapassado. Ao redor das pirâmides continuavam a se amontoar as mastabas dos dignatários ligados ao Faraó e a maior honra que alguém poderia receber (em geral concedida a Nomarcas que houvessem prestado serviços relevantes) era a concessão de uma mastaba ao lado da pirâmide Faraônica.

      A idéia de culto ao Faraó ganhou mais força ao longo da III Dinastia chegando ao seu ápice durante a IV. Nesta época, quando um Faraó morria, seu corpo era sepultado em Sakkara, mas uma estátua sua era erigida em Abidos onde ele seria cultuado para todo o sempre.






4.6.1 – As Glórias da IV Dinastia:
 
Sem exageros a IV Dinastia pode ser considerada como sendo aquela em que o poder dos Faraós mais foi grande, além disso, também é a Dinastia que construiu as obras mais impressionantes da História Egípcia.


A Dinastia se inicia com Snefru chegando ao trono por se casar com a filha do Faraó Huni (último governante da III Dinastia que morreu sem deixar filhos homens). Em seu governo, Snefru construiu nada menos do que três pirâmides. Na verdade, concluiu a pirâmide deixada incompleta por seu sogro e construiu mais duas: a Pedra do Sul (a famosa pirâmide inclinada) e a Pedra do Norte (a primeira pirâmide no estilo tradicionalmente conhecido), ambas em Dahshur.


A Pedra do Norte era a maior pirâmide construída até então e foi a primeira a se parecer com aquilo que nós hoje entendemos por pirâmides. Isso porque Snefru teve a idéia de mandar preencher os degraus externos de sua pirâmide para dar a ela um visual mais suave e retilíneo (de acordo com a Maat, como ela se expressa na arte Egípcia).


O filho de Snefru, Khufu (mais conhecido como Quéops) levou a construção de pirâmides ao auge de seu esplendor. Sua pirâmide (construída no planalto de Gizé) levou mais de vinte anos de trabalho de cerca de cem mil homens para ficar pronta, mas é a maior maravilha do Egito Antigo tendo consumido mais de 2,3 milhões de blocos de pedra (para se ter uma idéia do volume de tal pirâmide, basta saber que se ela fosse transformada em cascalhos, seria possível construir com esse produto uma estrada de duas pistas e trinta centímetros de espessura que saísse Monte Caburaí (na Amazônia) e fosse até o Arroio Chuí (no Rio Grande do Sul), ou seja, que cortaria o Brasil inteiro). E não é só, a pirâmide era recoberta por uma cobertura calcária de Tudra que brilhava ao sol e sobre tal cobertura estavam gravados milhares de hieróglifos (hoje já não existem tais inscrições que foram destruídas e/ou roubadas por Cristãos, Muçulmanos e pretensos magos ao longo dos séculos, no entanto, no século XII d.C., o escritor Árabe Abd el Latif escreveu que os hieróglifos que ainda recobriam a pirâmide seriam suficientes para preencher mais de dez mil páginas de livros). O que estava escrito na Grande Pirâmide de Quéops? Nunca saberemos...


A pirâmide de Quéops


Agora imaginemos como deve ser difícil construir algo de tamanhas proporções sobre as instáveis areis do deserto. Bem, agora que já pensamos nisso e uma vez que já sabemos que os Egípcios não eram exímios matemáticos, como explicar que a Grande Pirâmide esteja situada sobre um chão cuja margem de erro em relação à horizontalidade perfeita é de apenas 0,004%?


    Agora vejamos, será mesmo que é possível conceber a construção de edifícios tão complexos quanto as Grandes Pirâmides num tempo tão recuado e com uma matemática tão pouco avançada? Bem, para muito isso não parece razoável e é justamente daí que surgem teorias como as de Erich von Däniken, que atribuem construções como as Pirâmides a seres extra-terrestres, ou ainda teorias como as que falam sobre Atlântida e outras civilizações perdidas muito mais antigas do que as mais antigas civilizações de que se tem notícias e que de tão avançadas teriam inspirado toda a evolução subseqüente do mundo.
Esquema de um corte lateral na Pirâmide de Quéops, com seus caminhos internos e câmaras mortuárias secretas

Essas teorias são, em sua grande maioria, completamente infundadas, mas não resta dúvida que existem muitas passagens obscuras na História da Humanidade, ainda mais se levarmos em conta que toda a História posterior à Antigüidade conta apenas pouco mais de um quarto da duração de tempo que aquele período teve sozinho, ou seja, tempo para que coisas acontecessem e fossem esquecidas houve, especialmente se levarmos em conta que não havia meios de comunicação eficientes como os de hoje. Não estou, é claro, falando em alienígenas ou mesmo em civilizações antigas mais desenvolvidas. Estou apenas deixando um ponto em aberto, algo que, a meu ver não deve ser abandonado como falso na medida em que não se pode prova-lo como tal, mas que também não deve ser aceito como verdadeiro pela mesma razão, deve apenas ser deixado em aberto.
Mas, depois dessa digressão, voltemos a falar das Grandes Pirâmides. Elas foram construídas por Khufu (Quéops), Khafre (Quéfren) e Menkaure (Miquerinos) e, segundo algumas teorias tidas como mais sérias, poderiam ter feito parte de uma espécie de programa estatal de combate ao desemprego gerado pelo “boom” populacional dos primeiros anos do Antigo Império.
        É claro que tais teorias têm que ser compreendidas dentro da ótica de seus teóricos, pessoas que aceitam como verdadeira a “Hipótese Causal Hidráulica” e que, dessa forma, entendem que depois da centralização do poder o Egito teria atingido o estágio necessário para começar a explorar os recursos do Nilo, coisa que, segundo a teoria adotada neste texto, o Egito já fazia muito tempo antes da unificação, mais precisamente, desde os tempos dos Spat.

        Seja como for, essas três pirâmides demandaram muito tempo e mão-de-obra para serem construídas e construções tão bem acabadas não podiam ser feitas com quatro meses (o Período da Inundação) de trabalhos anuais apenas, mas necessitavam de trabalhos constantes, sendo assim é quase certo que houvesse um grupo de trabalhadores altamente qualificados que fosse contratado do Estado em tempo integral para organizar a obra e montar sua infraestrutura, sendo que durante o Período da Inundação esse grupo era reforçado por legiões de trabalhadores.

        Quanto ao fato de escravos terem sido utilizados na construção das pirâmides, essa hipótese já está totalmente descartada. Isso porque tanto a população pagava seus tributos ao governo em trabalhos, quanto a construção de um local de repouso eterno para o Semi-Deus se tratava, antes de tudo, de um ato de fé, o que certamente arrastava muitos trabalhadores de livre e espontânea vontade, em busca da garantia de suas próprias vidas após a morte, uma vez que a do Faraó fosse assegurada.

Pirâmide de Quéfren, com a Esfinge à frente

Esquema interno da Pirâmide de Quéfren


Esquema interno da Pirâmide de Miquerinos





No que se refere aos processos de construção, o que mais se acredita possível é que houvesse uma espécie de moldura arredondada de madeira que era encaixada nas laterais das rochas de modo a faze-las aptas a rodas. Porém, outra teoria forte era a de que uma espécie de tapete era colocada sob a rocha e o chão por onde este iria deslizar era molhado para facilitar o deslocamento, sendo assim, a rocha seria arrastada do porto onde desembarcava (sim, porque o grosso do trajeto era feito de barco pelo Nilo) até o local da construção. Os que defendem esta teoria o fazem por dizer que as rodas afundariam nas areias, o que dificultaria ainda mais o transporte, além disso, eles também dizem que antes do Novo Império, quando da introdução das bigas, não há indícios da utilização da roda no Egito, visto que todo o transporte era realizado pelo Nilo, não havendo nem sequer estradas. A acomodação das pedras era, com certeza o processo mais trabalhoso, visto que não havia qualquer tipo de guindaste, sendo assim, para cada novo andar seria necessária a ampliação da passarela de acesso que era desmontada tão logo a pirâmide estava concluída. É ainda possível que se utilizasse um modo de construção destacado na Grécia, ou seja, o modo de ser ir enterrando o andar que estava pronto para se ter acesso aos níveis mais altos através de um andaime natural de areia. Por fim, quando a construção ficava pronta, desenterrava-se o edifício dando-lhe seu acabamento.



Vista externa da Pirâmide de Miquerinos


 
4.6.2 – Os Enigmas da Esfinge:
 
Se as Pirâmides de Gizé foram consideradas por Antípatro de Sídon, no século II a.C. como uma das Sete Maravilhas do Mundo, a Esfinge certamente não o foi por estar, à época da passagem do Grego pelo Egito, coberta pelas areias do deserto, como, aliás, ela esteve por vários períodos da História do Egito. Existe uma inscrição encontrada em sua capela (entre suas patas, como será explicado mais adiante) que diz que o Faraó Tutmés IV a desenterrou das areias onde jazia há muito tempo.



A Esfinge
          A Esfinge é uma grande estátua antropozoomórfica, com corpo leonino e feições humanas cuja presença está inserida no contexto do complexo funerário da Pirâmide de Quéfren, inclusive com uma espécie de avenida ligando-a a pirâmide. Ela foi esculpida naquilo que é o cume de uma montanha recoberta pela areia, sendo assim, não foi necessário transportar toneladas de pedras de lugares distantes para o Planalto de Gizé. Até aí, nenhum mistério, nenhum enigma.

No entanto, como sempre sucedeu com tudo o que se refere ao Egito Antigo, a Esfinge sempre esteve cercada de especulações científicas e pseudo-científicas a respeito de tudo, desde sua origem até seu propósito, passando pelos padrões de erosão de sua superfície.

Para começo de conversa, existem os rumores de que é possível entrar dentro da Esfinge, ou seja, de que existem câmaras internas dentro da estátua. Na realidade, nunca ninguém encontrou (ou ao menos divulgou ter encontrado) uma entrada para a esfinge, contudo, exames de densidade da rocha e de ressonância comprovam que de fato há galerias internas e o que é mais intrigante: cheias d’água. Alguns especialistas explicam o fenômeno de forma simples, dizem que existem cavernas dentro da montanha no topo da qual a Esfinge foi esculpida e que tais cavernas estariam cheias d’água por uma dessas duas razões: ou seria apenas um braço do lençol freático, ou seria a conseqüência de uma suposta prática do Egito Antigo de encher com água o recinto da Esfinge de modo que esta ficasse apenas com a cabeça fora d’água. Esta água teria se infiltrado e se acumulado nas galerias internas estando impedida de evaporar e permanecendo lá até hoje.


É bem verdade, no entanto, que escavações realizadas entre as patas da Esfinge encontraram uma espécie de capela abarrotada de estelas de Faraós, aliás, numa dessas estelas aparece o nome Khaf, primeira sílaba de Khafre (Quéfren), o que serviu como reforço indelével para a teoria de que este Faraó teria sido o responsável pela construção da Esfinge, no entanto, o que muitos não levam em consideração é o fato do nome estar incompleto e não estar envolto na Cártula Real (espécie de circunferência oval que contornava os nomes dos Faraós Egípcios). Além disso, o texto em que esse nome aparece não indica que este indivíduo construiu a Esfinge, mas sim que construiu algo para o Deus Aton-Harmakhis (também chamado de Ra-Horemkhat), ou seja, a Esfinge (uma vez que se acredita que a Esfinge seja a representação do deus solar), o que pode indicar apenas que tenha construído uma imagem, ou mesmo a própria estela, para a Esfinge.

Seja como for, existem videntes e profetas que alegam que dentro das galerias da Esfinge estariam papiros com informações sobre o destino do mundo e que das duas uma: ou esses papiros ainda estão por ser encontrados e, sendo assim, por trazer suas informações para a humanidade, ou já foram encontradas e hoje constam dos arquivos secretos de alguma antiga potência colonialista Européia (ou mesmo dos EUA).

O que fica de realmente instigante nessa especulação é a necessidade de se saber o que há realmente dentro das galerias da Esfinge e se elas são naturais ou não.

Outra interessante teoria sobre a Esfinge diz respeito aos padrões de erosão encontrados em sua superfície. Há algum tempo, em 1991, um renomado Professor de Geologia da Universidade de Boston chamado Robert Schoch, a pedido e patrocínio do esotérico John Anthony West (indivíduo extremamente mal quisto entre os Egiptólogos tradicionais, por defender, desde os anos 70, teorias de que Atlântida realmente existiu e de que uma civilização perdida de Marte teria influenciado a evolução da civilização na Terra), estudou os padrões de erosão da estátua (que mede 73,15m de comprimento por 20m de altura) e chegou à conclusão de que eles só poderiam ter sido causados por água. Essa conclusão gerou frisson entre os Egiptólogos, uma vez que os índices pluviométricos dos últimos 4000 anos não seriam suficientes para causar tais erosões. Novamente falou-se da teoria de que se enchia o recinto da Esfinge de água deixando-a apenas com a cabeça para fora o que, aliás, explicaria o fato de a cabeça ser bem menos erodida do que o resto do corpo da estátua. Houve diversas discussões e o Professor Schoch acabou propondo que uma piscina de águas paradas não seria suficiente para causar aquelas erosões, sendo assim, o impasse estava criado.

As teorias do geólogo Americano, reforçadas pelas dos dois gurus, Adrian Gilbert e Robert Bauval, autores do livro “The Orion Mystery” (que não trabalharam junto com ele, mas que também formularam teorias (estas Astrológicas (e não Astronômicas)) para o recuo da data da construção da Esfinge), chegaram à conclusão de que o padrão de erosão seria resultado de chuvas torrenciais que teriam varrido o Egito entre 10500 e 7000 a.C. (é bom que se saiba que para alguns as chuvas teriam começado a escassear por volta de 9500, como foi mencionado no início do texto, mas talvez só tenham realmente se encerrado por volta de 7000). O problema é que esta data se situa, pelo menos, mais de 4500 anos antes da data tida como sendo a da construção da Esfinge por Quéfren. Choveram então hipóteses que iam desde a associação da Esfinge com a Atlântida, como as divulgadas amplamente pelo esotérico Graham Hancock, até uma aceitação das datações de Mâneton para a cronologia da História do Egito. Porém, outro renomado geólogo, Dr. James Harrell, da Universidade de Toledo, na Espanha, lançou uma teoria que contrapunha a do primeiro: segundo ele, os padrões de erosão da Esfinge se dão (e aumentam diariamente por esse mesmo motivo) por causa do sereno, pois como a Esfinge fica relativamente próxima ao Nilo, o sereno noturno é úmido. Ele se infiltra nas camadas mais externas e porosas da rocha e, com o amanhecer, que o esquenta e transforma em vapor, vai embora. Porém, a expansão da água se gaseificando dentro da rocha provoca leves erosões, o que acarreta no desprendimento de pequenas lascas de rocha da Esfinge diariamente.

Certo, muitos dirão, mas e quanto à cabeça? Por que ela não é erodida da mesma forma que o restante do corpo?

Bem, para pensarmos nisso temos que antes pensar em outro problema em relação à Esfinge. Muitos dizem que não foi Quéfren quem a construiu, afirmam que ela é mais antiga do que as Pirâmides e que foi sua localização que determinou a escolha do local para a construção destas. Estas teorias são as mais bem fundamentadas dentre todas, talvez até estejam corretas, pois vejamos:

A cabeça da Esfinge é desproporcionalmente pequena em relação ao restante do corpo da estátua. Isso leva a crer uma das duas coisas: ou seus escultores não tinham muita noção de proporção, o que parece um absurdo quando se está fazendo referência ao mesmo povo capaz de construir as Pirâmides, ou então, a cabeça é propositalmente menor do que o corpo. Agora vejamos, segundo as teorias mais aceitas, a cabeça da Esfinge representa o Faraó Quéfren (se bem que o investigador de polícia Americano Tem. Frank Domingo, especialista em comparação de retratos falados, tenha comparado seu rosto com uma outra escultura de Quéfren (esta com o nome do Faraó) e chegado à conclusão de que se tratam de pessoas diferentes, no entanto, a Esfinge, como todos sabem, não tem nariz, o que torna uma comparação muito difícil) e se isso for verdade, então por que justamente a parte da estátua que deveria ser (segundo os próprios padrões da arte Egípcia) maior por representar o Faraó é menor?

Talvez a resposta esteja no fato de a Esfinge ser realmente mais antiga do que as Pirâmides, talvez ela estivesse escondida debaixo das areias e tenha sido encontrada na época de Quéfren, o que o fez eleger o Planalto de Gizé para construir sua Pirâmide. Como o Faraó desejava ligara a estátua recém-encontrada ao seu complexo funerário, ele pode ter mandado reesculpir o rosto da Esfinge (fosse ele qual fosse) segundo o seu próprio, o que explicaria o fato dele ser desproporcionalmente pequeno em relação ao corpo.

Existe a história de uma expedição que se perdeu no deserto da Líbia a década de 20 do século XX d.C. e que depois de ter retornado para o Cairo contou que teria avistado, em meio a uma tempestade de areia, uma Esfinge que não a do Planalto de Gizé, mas com proporções semelhantes. Essa história é tida como uma invenção por muitos, mas o fato é que os caravaneiros nunca ganharam renome com ela e também que ela nunca foi pesquisada mais profundamente. Alguns poucos a pensar sobre ela chegaram à conclusão de que se ele for verdadeira, então poderia haver diversas Esfinges espalhadas pelos desertos próximos ao Nilo e elas poderiam ter uma espécie de função de defesa do território. Se isso for verossímil (o que não parece ser) talvez a Esfinge de Gizé seja apenas uma das muitas Esfinges que podem haver soterradas por entre os mares de areia do Saara oriental.

É interessante lembrar que em seu livro “Civilizações que o Mundo Esqueceu”, o Dr. Aurélio Medeiros Guimarães de Abreu, Professor de Antropologia das Faculdades Santo Amaro e da Fundação Cásper Líbero, nos diz que em 1952 uma expedição comandada por Taminarakus, oficial responsável pelo Museu do Cairo na época, seguindo os relatos do viajante Omar el Hawari, teria descoberto, numa região hoje pertencente à Líbia (e, por conseguinte, inacessível a novas pesquisas, por este governo, segundo o Dr. Abreu, não permitir a presença de pesquisadores estrangeiros em seu território), uma Esfinge ainda maior que a de Gizé. Esta descoberta, ainda segundo o Dr. Abreu, viria a confirmar a informação supostamente descoberta num papiro de 900 a.C., e encontrada em 1943, que fazia referência a seis Grandes Esfinges Guardiãs do Egito. Ah, sim. Em todos os livros que constam desta bibliografia, não vi nenhuma outra menção a esta Esfinge Líbia que o Dr. Abreu afirma estar descoberta e catalogada, por isso, como nunca tive a oportunidade de visitar a região, não creio que tal construção exista de verdade, caso contrário, a meu ver, deveria ser digna ao menos de menção em obras mais conceituadas, mas, em última instância, é o leitor quem decide no que acreditar.

Qual a verdade sobre a Esfinge?

Talvez nunca venhamos a saber. Isso porque devido a vários problemas, desde conflitos religiosos até a presença de pessoas sem real interesse científico (mas apenas a intenção de comprovar suas crenças esotéricas) na região, a pesquisa séria se torna muito comprometida. É interessante notar também, como falaremos mais no final do texto, que a ação de ladrões de antiguidades também compromete muito a formulação de teorias, visto que desde o Egito Antigo existem quadrilhas que vivem de pilhar aquilo que restou do Período Faraônico. A falta de investimentos financeiros (que deveria advir do turismo, mas que é comprometida devido a ação de grupos extremistas que julgam o passado “pagão” do Egito como algo a ser esquecer e não a se pesquisar) também é fator importante na demora em se descobrir novos sítios e em se formular novas teorias. Hoje, para que um Historiador decida se capacitar como Arqueólogo já é um custo, visto que isso indica quase a certeza de maus ganhos financeiros futuros, se este indivíduo decidir ser Egiptólogo, então, terá que romper sozinho diversas fronteiras, como por exemplo os altos custos das viagens e da manutenção internacionais, a dificuldade em se encontrar um orientador devidamente capacitado para orientar uma Pós-Graduação em Egiptologia (na própria Universidade de São Paulo, o maior centro de pesquisa do Brasil, não existem muitos professores capacitados em orientar alunos nessa área), dentre outras... Este é o destino da pesquisa científica em Humanidades, ser relagada ao segundo plano em detrimento de pesquisas das áreas de Exatas e Biológicas.
 



 




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