terça-feira, 10 de maio de 2016

A VIAGEM PELO DESERTO DO SINAI
Quem vê desertos em filmes, normalmente sonha com aquela imagem! 
Logo pensam num camelo caminhando por aquele tapete de areia amarelinho. Para se chegar ao destino, basta vencer algumas montanhas de areia. Romântico, não?
A realidade é bem diferente.  A temperatura é insuportável!  No verão então, nem se fala. É uma raridade ver vida nesses lugares.  Sabe o tapete de areia? Esqueça! Como é mencionado nos livros, 87% do relevo é formado por pedras e não daquela areia limpinha que vemos nos filmes (dunas maravilhosas). 
Não tenho a intenção de destruir os castelos de ninguém, principalmente daqueles que já tentaram se imaginar naquele cenário cinematográfico do parágrafo anterior, mas acreditem, aquelas imagens são ficção.
 
Coloquemos assim: existe algo de belo e inspirador no silêncio do deserto,  no barulhinho do vento, na distância que se perde de vista e na sensação que se tem de estar próximo ao destino (não se iludam, é justamente nessa hora que se tem a notícia de que ainda há quilômetros e quilômetros, até o final da próxima montanha. Quando a sensação passa a certeza de que se está próximo, ainda há mais algumas dezenas de montanhas a frente, que reaparecem do nada!). Em alguns momentos a temperatura pode ser considerada "apreciável".   Ficou melhor assim?
Mesmo tentando colocar um verniz, tenho que ser sincero: o corpo humano não foi feito para suportar tamanha temperatura, em especial aqueles graus extras que ela atinge em determinadas horas do dia.  Viver todos os dias num deserto produzirá uma vida certamente tediosa, limitada à contemplação da passagem das horas.
E lá estávamos nós na estrada. Uma reta sem fim, longe de tudo e de todos. 
Esta viagem duraria de 7 a 8 horas.  Após umas 4 horas de viagem, sentei-me no chão, ao lado do motorista, para tirar mais algumas fotos. Ao olhar o velocímetro, percebi que a velocidade média era de 140/150 km por hora.  Acredite, se quiser!
O calor é tanto que alguns ônibus andam (voam) com a parte traseira aberta para evitar o superaquecimento de seus motores.
A volta de Sharm el Sheikh pelo Deserto do Sinai é interminável!
Olhando pela janela, parece que estamos próximos, mas não se deixe enganar, há muito mais que os 10 quilômetros que pensamos faltar.
Vamos a alguns detalhes que não dá para deixar passar:
1) sua visão alcança muitos quilômetros, seja da vista da sua janela, seja dos pára-brisas dianteiro e traseiro;
2) apesar de nosso ônibus contar com ar-condicionado, as cinco últimas fileiras eram verdadeiras saunas, por conta do calor produzido pelo motor.  Algumas meninas de nosso grupo, vencidas pelo cansaço e entregues ao sono, nem sentiam isso;
 3) nem todos os ônibus que circulavam pela estrada tinham ar-condicionado. A bem da verdade muitos eram bem velhos e, como não poderia deixar de ser, bastante empoeirados. As pessoas que neles viajavam, visivelmente muito humildes, tampavam todas as janelas com panos para evitar o sol; a ventilação vinha das pequenas janelas do teto.
4) o tráfego na estrada é bem tranqüilo. Quase não trafegam carros, na maior parte só vimos caminhões (jamantas) e ônibus. Todos em alta velocidade. A estrada é um tapete, com retas muito longas;
5) em boa parte do deserto existem áreas de extração de petróleo e, conseqüentemente, muitas zonas militares instaladas. Nesses locais, os ônibus passam bem devagar devido a alguns bloqueios (em meio àquele calor todo!). Existem também barreiras com soldados fortemente armados.
Isso que você vê ao fundo da foto acima é o Mar Vermelho. Em alguns trechos, ele corre paralelo à estrada.
Não podiam faltar as dunas, como aquelas que vemos nos filmes.  Na foto, não dá para ter idéia do quanto elas são imensas.
Para que você possa localizar onde estamos, veja os mapas abaixo. O primeiro mostra a estrada: percorremos pelo lado esquerdo (Cairo, nosso destino, não aparece na foto, mas estaria bem acima, à esquerda). O segundo, uma visão do satélite desta área árida. Pelo terceiro, consegue-se ter uma idéia da distância de Sharm el Sheikh e Cairo;
 
6) próximo à estrada, vimos muitas construções iniciadas.  Eram casas apenas com as paredes de blocos ou tijolos. A grande maioria estava abandonada e, aparentemente, foram saqueadas. As pessoas até tentaram viver por lá, mas foram embora.  Quem passava tentava limpar o que havia restado;
7) existem moradias em algumas localidades (daquelas pessoas que trabalham nos postos de petróleo). São conjuntos residenciais em pleno deserto. Percebe-se a precariedade em que se encontram devido às grandes distâncias e ao próprio clima.
8) os postos de parada, quando aparecem, vendem de tudo. Tem restaurante, lojas de doce, roupas, CDs (piratas, em pleno deserto? Essa não!) e, pasmem, brinquedos eletrônicos.
O cansaço é aparente!
Que mau gosto estes "Godzilas", cheios de areia, numa fonte, em pleno salão do restaurante!
Fico imaginando o que passa pela cabeça de uma pessoa, para criar algo como "isto", num restaurante em pleno deserto.  Provavelmente, um momento de "solidão trash".  Aí ele pensou: "cansei deste mundo quente insuportável e sem ninguém por perto: quero destruí-lo de vez!" ... e como "toda brincadeira tem um fundo de verdade", ele resolveu concretizar seu mais profundo sentimento, numa fonte, esta obra-prima, instalada onde todo mundo come.  Não tem outra explicação.
9) no meio do deserto há uma placa anunciando o Hotel Sheraton, do Cairo. Pela quantidade de cabos que sustentam a placa, dá para se ter uma idéia da velocidade que os ventos alcançam.
Cruzamos o Canal de Suez, um dos grandes focos da economia do Egito.  Aqui temos uma situação interessante: de um lado está o continente asiático (isso mesmo, Ásia), do outro lado está a África.
Este canal, construído a partir de 1859 (foram 10 anos de obras, utilizando 1,5 milhão de trabalhadores), possibilitou a ligação entre o Mar Mediterrâneo e o Mar Vermelho. Os navios que usam essa rota têm de atravessar o canal e, claro, pagar altas taxas de "pedágio". 
Caso contrário, tem que dar a volta pelo sul do continente africano, dobrar o Cabo da Boa Esperança (literalmente falando), e tornar a subir para chegar aos países asiáticos (através do Oceano Índico).
Os romanos já utilizavam a região para passagem de pequenas embarcações.  Era chamado de "Canal dos Faraós". 
A idéia deste texto não é se concentrar em fatos históricos, mas é sempre bom dar uma pincelada bem humorada em alguns fatos e, se possível, proporcionar algum conhecimento sobre o Egito.
Assim, muita coisa sobre a história recente do Canal de Suez pode ser compreendida nos três parágrafos abaixo:
 
A disputa pelo canal

    Em 1888, a Convenção de Constantinopla definiu que o Canal de Suez deveria servir a embarcações de todos os países mesmo em tempos de guerra. Inglaterra e Egito assinaram, em 1936, um acordo que assegurava a presença militar do Reino Unido na região do canal por um período de 20 anos.        Com a retirada das tropas inglesas, em 1956, o presidente egípcio Gamal Nasser iniciou um conflito ao nacionalizar o canal e impedir a passagem de navios com a bandeira de Israel. Neste mesmo ano, com o auxílio do Reino Unido e da França, o exército israelense invadiu o Egito. Derrotado, mas contando com o apoio da ONU, dos EUA e da União Soviética, o Egito garantiu o controle sobre o canal. O preço do apoio foi a abertura do canal para a navegação internacional.   
     Em 1967, com a Guerra dos Seis Dias (conflito entre Israel e a frente árabe, formada por Egito, Jordânia e Síria), a passagem é novamente fechada. A partir de 1975 o Canal de Suez é reaberto para todas as nações do mundo..
Aí vão mais alguns dados importantes sobre o Canal de
Suez:
- é o mais longo canal do mundo, com 163 quilômetros
de extensão
. Sua travessia dura cerca de 15 horas a uma velocidade de 14 km/h;
- possui três lagos em seu percurso. Não há eclusas;
- a sua largura mínima é de 55 metros;
- comporta navios de até 500 metros de comprimento por
70 metros de largura
;
- o valor médio das taxas pagas por petroleiros é de
US$ 70 mil;
- entre 1996 e 1997, o Egito arrecadou, apenas com o
pedágio, US$ 1,8 bilhão.
 
Conseguem entender a importância desse canal para o Egito?
Os veículos passam por um túnel, abaixo do canal, para cruzar os continentes.  Para alcançá-lo, tem-se uma descida de 70 metros.  Cruzando o túnel, saímos do Deserto do Sinai e entramos no Deserto do Sahara.
A estrada do Deserto do Sahara é bem mais movimentada!  A paisagem, contudo, não muda muito.
Tenho que agradecer à Bianca (foto acima), por me ceder algumas de suas fotos.  Ajudaram a ilustrar bastante alguns dos textos sobre a viagem. 
Por falar nisso, existe um "camelinho" que se compra no Egito, semelhante ao que ela está segurando, que canta música árabe (você aperta um botão e ele dispara a cantar com uma voz esganiçada).   À primeira vista, pode parecer uma gracinha, mas depois da terceira música, chega a ser insuportável.
O da Bianca não cantava, já o da Mariana...  parecia que havia engolido um rádio!  Ela teve que tirar as pilhas, pois o bicho disparava sozinho, bastava encostar nele.
 
 Enfim, depois de 8 horas, uma visão que simplesmente acordou a todos no ônibus.
Chegamos de volta ao Cairo!  Agora sim, começava uma aventura para valer... para todos!


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